quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A gente perdoa

NUNCA PRECISARA TRABALHAR; bastava fingir estudar. Era pago para isso! E ainda poderia escolher o tipo de estudo que lhe conviesse. O moderno era garantia de sucesso. Geralmente o moderno não está em uso. Por novidade, não é corriqueiro; torna-se ainda mais atraente. A via de sucesso era clara. O mundo caminhava para a desintegração do capitalismo, e isso anunciara Marx há século. O pseudoprofeta supunha que o capital se restringisse à matéria; e como tal, sujeito ao desgaste. Se o barbudo cogitasse de que a matéria é apenas energia estática, ou represada, não ousaria erguer seu edifício.
Marx se enganou redondamente, mas levou de roldão nações inteiras. Muitos líderes políticos e intelectuais passaram a ostentar o turbante. Desde a primeira década do século XX já se sabia que E=Mc2, mas isso transitava e era compreendido apenas por alguns setores da Academia da Física. No Direito, na Economia, com exceção das escolas de Chicago e de Viena, até na Filosofia, exceto por raras brilhaturas inglesas, mas principalmente na Sociologia, o interesse sobre a constituição do Universo é nulo. Solenemente, ignorada. Presumem os tolos que este conhecimento é lunático, sem serventia aos propósitos das carreiras. Supõem que tais assertivas sejam abstratas, e, por isso, dispensáveis.

Do embaçado telescópio da Sorbonne tudo se presumia ver, para prever. Os diletantes banidos do terceiro mundo, assim entretidos com a consagrada balela, não vislumbraram a janela: naquele 1968, pelas alamedas da Saint Michel dès Prés à Boulevard Saint German, eclodia um fantástico movimento social, jamais prognosticado. Os alfabetizados, voltados ao próprio umbigo, não foram capazes de levantar os olhos às letras garrafais dos muros adjacentes ao Quartier Latin:
QUEREMOS QUE A IMAGINAÇÃO CHEGUE AO PODER
O câmbio da Bobbone
A Sorbonne já deslocou Augusto Comte, mas os antigos residentes, ora pelo mundo afora, permanecem com o mico colado nas costas!
Alguns tem piedade de nós; muitos, ironias e sarcasmos.
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Crescendo como rabo-de-cavalo-
Com a queda da fascismo, houve a garbosa expansão marxista, mecanicista, materialista. Os batedores viram esta estrada-de-ferro como rail-way ao palácio.
No rodoanel foi instalado gigantesco tapume, mas em 89 tudo se veio abaixo. Por trás da cortina não havia nada. Nem ferro. Era tudo blefe.
Os avermelhados empalideceram. Nús, os fascínoras ora perfilam-se em neofascismos, num mercantilismo travestido; outros aderem ao neoliberalismo, embora sem a menor noção de tal sistema, posto jamais contemplá-lo.
O fascismo é mais conhecido. Com a queda do arquiinimigo, os ditadores de direita voltaram revigorados.1968 já é velha geração. O liberalismo havia sido abandonado há muito. Ademais, quem pode se interessar por um sistema pelo qual o desenvolvimento se desencadeia pela fuga do poder?-
O neomercantilismo é corruptela capitalista, revigorada pela decadência do maior adversário. O rei é substituído pelo déspota ungido por arranjos de cúpula, legitimados por escusos processos eleitorais, com caixas 2, imprensa imprensada, institutos engajados, e urnas eletrônicas. Não há como duvidar de qualquer resultado. E mesmo que fosse possível a conferência, daria no mesmo. Dos bastidores os "adversários" vem acordados:
"Cada partido compreende que interessa a sua própria conservação não permitir que se esgote o partido contrário." (Nietzsche, Crepúsculo dos ídolos, p. 39.)
Desde a tal "abertura-dos-portos" e das capitanias, adoramos a raia mercantilista, e dela jamais descolamos. As privatizações obedecem o corte. A corrupção campeia em larga escala. Em vez da espada, e do peleguismo corporativo, temos simplesmente o poder do dinheiro, circulante através de malas, não da produção. Em vez de decretos fascistas, o que temos são medidas provisórias, na verdade todas permanentes, e no interesse exclusivo do emitente. Seus principais mentores ficaram conhecidos como estelionatários do plano cruzado, mas a enormidade cruza a década. Ao povo resta o falso bilhete.-
Quarenta anos foram gastos pelo ambicioso socio logo para decorar as lições de Maquiavel, em primeiro plano, com Platão de suporte. Com a queda do muro, Marx foi abandonado, em troca da reativação de Augusto Comte, o pai da sociologia. Debruça-se em Max Weber, um curioso; e em Durkheim, um diversionista.
Pelo lado da economia, ninguém melhor do que Keynes para inflacionar, ou deflacionar o mercado. A produção e o consumidor foram alijados de um alto volume de crédito, com juros proibitivos somados a taxas injustificáveis. Resultado: as empresas patinam, outras fecham, o desemprego campeia, os crimes crescem de forma geométrica, acompanhados de índices crescentes de divórcios, de psiquiatras, de pastores, igrejas, de falências, e de advogados, muitos advogados, para tudo isso. Em casa que falta pão, todos brigam, e ninguém tem razão. Quanto à produção, não vem ao caso.
Não falta imprensa, devidamente aquinhoada com gordas verbas publicitárias, a propalar a higidez da economia. É fria. As notas de cem permanecem nos paraísos. O legado é quase de terra arrasada. O Brasil avança, dizia o slogan, mas como rabo de cavalo: para baixo!
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Uma obra primária
Li seu último arrazoado, longo, medíocre, enfadonho. Sofrível, trivial. Mais infantil, impossível. Alienado é adjetivo. Sofri, mas aferi. Cada página oferece um flanco ao ataque. Cogitei arrasá-lo, mas me contive. De nada vale açoitar cavalo morto.
Num dia de sonho, a grande surpresa: o artista viera me abraçar, pedir clemência, desculpas pelos graves danos. Com aquele ar de quem confia na bondade do interlocutor, disse-me que não tinha noção dos males que causara; que nada entendia de Economia, posto se dedicar apenas à meia dúzia de obras socio lógicas, as existentes dessa "ciência" arranjada. Arrependera-se. Não deveria, jamais, ter saído da esterelidade de sua cátedra.
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O perdão
Por mais velho, suponho que parta antes. Minha vontade era de fazer xixi em seu túmulo, para que ele sentisse os efeitos dos alimentos que somos obrigados a ingerir. Mas, diante da antecipada purga, resolvi perdoá-lo, e assim, esquecê-lo. Agora estou livre para me ocupar com algum salva-vidas. Preciso voltar à civilização. Tenho saudades de meus filhos; e muitos amigos à deriva. Como estou longe da costa, e grandes navios ainda reinam nos mares, ameaçando as pequenas embarcações, só uma nave que decole na vertical pode me levar de volta ao patamar. Eis a principal razão deste blog; mas é pouco, insignificante. Muito mais me resta a fazer.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Luta Inglória

HAVIA UM NOBRE boxeador. Na fulgurante carreira, tomara vários golpes. Permanecia ereto. As sequelas, todavia, se avolumavam. No corner, atiravam-lhe água e palavras de incentivo. Era fácil, e rentável. Difícil é levar as bordoadas, e de graça. Ele levantava e ia ao enfrentamento. Um a um, os uppers foram-lhe dilacerando. Olhos esbugalhados, cabeça partida. Pronto. O sacrifício fora sacramentado. Seus treinadores puderam ir descansar. Tinham cumprido a missão.

domingo, 25 de novembro de 2007

À Princesa Sem Rei

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Lembro quando tinhas a motinho. Era um jeito de escapar daqueles gulis. Queriam te estrangular, os malvados. La gúcha lagüê! Depois, a mercedinha, pra poder andar com orgulho. Muitos ventos açoitaram. Outros malvados se chegaram. Tantas faculdades conhecidas, ainda assim, compreendida. Escapaste para outro mundo. Aqui ficou um criado-mudo.


Tudo em vão


Onde foi parar nosso cofrinho?

E o que dizer de nosso filhinho?

E dos que restaram, resta o quê?

Dos poucos sonhos, nem assim?

Qual vantagem a humanidade

desumana, sem piedade?

Qual a graça de viver

sem nada a ver?

O que esperar do amanhã

senão a morte, já de manhã?

Nem me importa perder tanta matéria,

mas a expressão da miséria.

Se a esperança é a última que morre,

de nada vale levada por vigarista.

A esperança vive; mas longe da vista.

Rendo-me. Não há como buscar um mundo novo.


À Chimanga

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Nas trevas da negra noite
O gaúcho destemido
Corre, seguindo o ruído,
Sem medo ou temor da morte;
E vai, sem rumo e sem norte,
Guiado só pelo ouvido.

O povo é como boi manso
Quando novilho atropela
Bufa, pula e se arrepela,
Escrapeteia e se zanga;
Depois...vem lamber a canga
E torna-se amigo dela.

Home é bicho que se doma
Como qualquer outro bicho;
Tem às vezes seu capricho,
Mas logo larga de mão,
Vendo no cocho a ração,
Faz que não sente o rabicho.

Pobre Estância de São Pedro
Que tanta fama gozaste!
Como assim te transformaste
Dentro de tão poucos anos,
De destinos tão tiranos
Não há ninguém que te afaste!

Na mão do triste Chimango,
O arvoredo está no mato;
O gado... é só carrapato;
O campo... cheio de praga,
Tudo depressa se estraga,
No poder de um insensato.

E tudo o mais em São Pedro
Vai morrendo, pouco a pouco,
A manotaços e a sôco
Rolando pelo abismo;
Pois com o tal positivismo,
O home inda acaba louco...


Ramiro Barcelos

sábado, 24 de novembro de 2007

"Balão Mágico"

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A liberdade é uma necessidade fundamental
para o desenvolvimento dos verdadeiros valores.
Albert Einstein

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NO AUGE DO INTRÉPIDO Leviathan morreu seu cavaleiro, Lord Protector Cromwell. The Parliament reindroduziu as dinastias reais, primeiro na pele de Charles II, o ex-aluno de matemática do "professor" Hobbes. De 1660 a 1685, paulatinamente, Charles II foi se agigantando, fazendo com que o catolicismo voltasse a ter força, desafiando, por várias ocasiões, a Câmara dos Comuns. A subserviência a Roma era o grande temor, acabando por gerar revoltas no seio da população, mas Jaime II, o irmão que o sucedeu, ainda veio para estreitar a ligação. Por esta época (1666) Locke tornava-se médico de Anthony Ashley Cooper (1621-1683), o qual acabou por atribuir-lhe a função de assessor-conselheiro. Milhares conhecem Locke. Poucos sabem desse Lord Ashley, deslize histórico, injustiça intelectual. Provavelmente Ashley possuia mais capacidade, mais conhecimento e, pode-se afirmar, trabalhava com menor incidência empírica do que o próprio Locke:
"Devemos os Dois Tratados ao prodigioso conhecimento das questões de Estado adquirido por Locke no curso de seus frequentes diálogos com o primeiro conde de Shaftesbury." (2)
Seis anos após Locke ter começado a lhe prestar serviços, Ashley ganhou este título honorífico - Conde Shaftsbury. Tornou-se Presidente do Conselho de Colonização e Comércio da Royal Society discordando do grande Newton, algo que nem Locke ousou. Sua intuição, porém, era forte. Estava, de fato, mais perto da verdade. Einstein e principalmente Max Planck, trezentos anos depois, dariam completa razão a estas suas precoces palavras:

"Newton era um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema." (3)
R. L. Brett relata-nos outras peculiaridades da rica percepção do “padrinho”de Locke:
Shaftesbury se deu conta que as doutrinas de Hobbes solapavam toda a interpretação espiritual do universo e convertiam a moral em simples conveniência. Se deu conta, também, que estas doutrinas e outras parecidas destruíam os estímulos da arte e as grandes obras artísticas da humanidade. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.(4)
O paradigma fez-se no grande diferencial. Por paradoxo e coincidência, na terra de Newton havia a resistência ao mecanicismo cientificista:
"Na Grã-Bretanha, contudo, em particular no final do século XVII, a metáfora do relógio foi tratada com muito mais ambivalência do que no continente. O relógio sempre apareceu ali como uma metáfora de arregimentação e compulsão irracional." (5)
Lord Shaftesbury tornou-se Chanceler; e Locke, Secretário para a Apresentação de Benefícios, participou da elaboração constitucional da Colônia de Carolina, dos EUA.

Na estada em Exeter House (residência Shaftesbury em Londres) Locke convivia com os círculos intelectuais e políticos que por ali gravitavam, época em que começou seu Ensaio sobre o Entendimento Humano. As primeiras incursões ao universo científico foram acompanhadas pelos amigos pessoais, quase todos integrantes da recém-fundada Royal Society, abrigo de cientistas de Oxford e Cambridge, de expurgados ex-colaboradores de Cromwell e de avulsos, como Sir William Petty, este até então modesto agrimensor irlandês. Ali estavam presentes o revolucionário cientista médico Thomas Sydenham e o Alchymistarum Roberto Boyle, pesquisador capaz de oferecer algumas dúvidas quanto à velha teoria aristotélica dos quatro elementos. Compunham uma heterogeneidade mutuamente complementar. A plêiade tinha claro escopo:
A sociedade se comprometia a buscar conhecimentos úteis ao progresso do comércio e colaborar para fortalecer os alicerces da religião contra todas as manifestações de ateísmo mecanicista. O exercício da física deveria ser restrito a homens de mentes mais livres; se os mecanicistas fossem elaborar uma física sozinhos, eles a levariam para suas oficinas e a obrigariam a consistir exclusivamente de molas, pesos e rodas.(6)
Os participantes possuíam outro segredo em comum: elementos obsessivamente políticos não deveriam ter acesso. Thomas Hobbes, entre alguns marcados, por ali jamais transitou. Bobbio relembra:
“Como se comentou recentemente, Hobbes foi a ovelha negra da sociedade inglêsa do seu tempo, assim como Maquiavel, no século precedente.” (7)
A ovelha negra marcou seu protesto com virulência, chegando ao ponto de atacar diretamente um daqueles famosos membros, R. Boyle. Formulou sua obssessão num inóquo Dialogus Physicus sive de Natura Aeris, de 1662.
Sete anos após, a Universidade de Cambridge organizou debate sobre filosofia experimental. Alvo: o universo coperniciano.

"Em 1671 Henry Stubbe disparou contra o pragmatismo baconiano, o maior associado de Hobbes, apontando seu “desrespeito às antigas jurisdições eclesiásticas e civis, ao antigo govêrno, bem como aos governadores do reino.” (8)
A lógica argumentativa desses ilustres súditos balançaram o sistema, mas os principais conceitos de Locke eram subversivos, por isso não divulgados. De 1675 a 1679, ele conheceu a França:
"Além disso, Locke e Shaftesbury consideravam realmente o despotismo como um mal francês e, quando escreveu o documento, em 1679, Locke acabava de voltar da França, após estudar o mal francês enquanto sistema político." (9)
Sobre a estada francesa, existe a edição de 1953, por Cambridge, de John Lough editor, a coletânea Locke’s travels in France (1675-1679) as related in his journals, correspondence, and other papers. Também há o estudo de Gabriel Bonno, Les relations intellectuelles de Locke avec la France, da University of California Press, Berkeley e Los Angeles. (1955) (10)
São obras raras a nosotros aqui do terceiro mundo. É certo, contudo, que a semente que germinou pela geração subsequente veio das mãos de Shaftesbury e Locke, não de Hobbes: "Montesquieu dizia que os ingleses eram o povo mais livre do mundo porque limitavam o poder do rei pela lei." (11)
A Inglaterra apeava do limitado, tosco, pernicioso, antiecológico e antieconômico Leviathan, para ascender no balão mágico da Revolução Gloriosa. E o mundo começava a tomar conhecimento que poderia viver sob a égide da democracia. Era só dividir o poder, desde o núcleo até a extremidade, onde vive o cidadão:

" A democracia inglesa é a única democracia moderna que combina o sentido de independência e excelência com o impulso da classe média em direção à liberdade de consciência e à responsabilidade pessoal." (12)
Voltaire bem soube reverenciae o farol mais intenso do iluminismo:
"Talvez nunca tenha havido espírito mais sensato, mais metódico, um lógico mais exato que o senhor Locke; não era, contudo, um grande matemático." (13)
Felizmente.
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Notas
1.Einstein, A., cit. Brian, Denis, p. 253.
2.Shaftesbury, cit. Locke, J., Dois tratados sobre o governo, p. 37
3.Shaftesbury, carta a Thomas Poole, cit. Brett, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII, p. 109.
4.Brett, R. L., idem, p. 32.
5.Henry, J., p. 100.
6.Schwartz, J., O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência Moderna, p. 44
7.Hobbes, T., cit. Bobbio, N., Locke e o Direito Natural, p. 165.
8.Stubbe, H., cit. Schwartz, p. 44.
9.Locke, J., Dois tratados sobre o governo, p. 90.
10. Obras citadas por Bobbio, N., Locke e o Direito Natural, p. 78.
11. Montesquieu, cit. Pipes, R., p. 151.
12. Barbu, Zevedei, apresentação de Tocqueville, A., O Antigo Regime e a Revolução, p. 17
13. Voltaire, Vida e Obra, p. 25.

No Rastro do Leviathan

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Perdendo a pátria o antigo perde tudo, bens, família, liberdade e religião, pois além dos muros urbanos cada homem passa a ser estrangeiro, sem defesa, exposto à ira dos inimigos e de seus deuses, sem direitos, podendo ser morto ou reduzido a escravidão.
Fustel de Coulanges-
DUAS estratégias de domínio da natureza, específicamente domínio sobre uma parte da natureza, a dos seres humanos, surgiram de modo simultâneo e complementar. A primeira, Seis Livros da República, de Johannnes Althusius (1557-1638) até hoje obtém êxito:
"Assim como o navio não é mais do que madeira, sem forma de embarcação, quando lhe tiramos a quilha, que sustenta o costado, a proa, a popa e o convés, também a República, sem um poder soberano que una todos os seus membros e partes, e todos os lares e colégios, num só corpo, não é mais República." (3)
A metáfora nem era original; saíra da Grécia com o ásno volante, Platão:
"Do mesmo modo que o piloto, estando sempre atento ao que é melhor para a nau e para os navegadores, sem necessitar de leis escritas, tendo por norma apenas a arte, salva os companheiros de navegação, assim não se deverá igualmente esperar que aqueles que possuem aptidão para o governo possam, mediante a arte, obter resultados melhores, na forma de governo, do que a mera aplicação da lei?" (4)
Jehan Bodin (1530/1596) nascera ainda antes de Althusius, a tempo de ser cognominado “pai” do governo absoluto. Na respeitável observação do senador italiano Norberto Bobbio, o francês é mais relevante do que Althusius e até mesmo do quase contemporâneo Maquiavel:

“A obra mais importante do período de formações dos grandes Estados territoriais é De La Republique, de Jean Bodin. (5)
O rigor e a lógica da soberania de Bodin só se põem verdadeiros na relevância da indivisibilidade (6) do poder, algo que seria revivido pelo vizinho Hobbes, pelo patrício Rousseau e sua criação prática, Napoleão; depois desta dupla, pelo filósofo da catástrofe, Hegel e seus exterminadores Lenin, Stálin, Hitler e Mussolini.

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Acima do bem e do mal
"Dividir o poder é dissolvê-lo":
“A responsabilidade absoluta do soberano exige e pressupõe a dominação absoluta de todos os sujeitos.” (7)
"É necessário que os soberanos não estejam, de forma alguma, sujeitos às ordens de outrem e que possam dar leis aos súditos, quebrando ou aniquilando as leis inúteis para fazer outras." (8)
A legislação de outrora, quase toda lastreada nas formulações do Direito Romano, de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino, se esvaiam execradas, pisoteadas. Tornavam-se, pois, inúteis. Legislar, verbo originário de legere - leitura daquela natureza - pela pena racionalista virava facere, agere, refrão positivista. Ética, se alguma, foi envolta pela interessante mística:
Mesmo os ateus estão de acordo acerca de que não há coisa que mais mantenha os Estados e as Repúblicas do que a religião, e que esse é o principal fundamento do poderio dos monarcas, da execução das leis, da obediência aos súditos, da reverência dos magistrados, do temor de proceder mal e da amizade mútua para com cada qual; cumpre tomar todo o cuidado para que uma coisa tão sagrada não seja desprezada ou posta em dúvida por disputas; pois deste ponto depende a ruína das Repúblicas.(9)
Bodin carregou o vagão platônico no qual viajaria Descartes:

“A idéia cartesiana de um Deus legislador, por exemplo, aparece somente depois da teoria de Jean Bodin sobre a soberania.” (10)
No esquema infalível do Vaticano, a França recebeu o absolutismo aperfeiçoado na ascendência do Rei Francisco I (1515-1547), seguido pelo duque de Guise - chefe da fação católica mais fanática; depois, Catarina de Médici, pupila de Maquiavel, a regente responsável pelo extermínio de milhares de huguenotes na famosa noite de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572. Na Guerra dos Cem Anos, sobrou um aumento sempre crescente de poder. Richelieau, outra versão francesa do maquiavelismo, levou a idéia da razão de Estado na busca de fazer da França a maior potência européia, no que o seguiu Colbert, ambos responsáveis diretos pelo mercantilismo francês.
Na Guerra dos Trinta Anos o objetivo se pensara alcançado e o reinado viu-se mais forte.
Há sempre que se considerar, além da costumeira má-fé de inúmeros aspirantes, a óbvia ignorância dos responsáveis pela sobrevivência das gentes, os operadores do festival de barbarismos apontados pela história. Embora embriões da sociedade civil, já vimos sobejamente que os sistemas se baseavam na força bruta. Governos não podiam titubear, discutir. Suas respostas, levando sempre em conta as invasões, deviam ser prontas e objetivas. O “inimigo comum” estava perfeitamente identificado; imperioso liquidá-lo.

A insegurança disseminada, de propósito ou não e a necessidade premente de união para enfrentar a ficção ou a circunstância faz a teoria absolutista girar pelo tempo e espaço. Sagazes dela se locupletam para sedimentarem escusos arquétipos.
Bodin continuou saboreando homenagens:
“Suas teorias tiveram grande repercussão na França e na Inglaterra, perdurando ainda hoje. Sua obra exerceu influência nos escritos de Hobbes e Filmer.” (11)
Que crédito científico pode merecer essa sociologia, essa ciência política amante de “divindades” reais e lucros irreais?

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Notas
1.Cit. Bastos, Wilson de Lima, Nos Meandros da Política, p. 18.
2.Tolstói, Leon, cit. Fadiman, Clifton org., p. 163.
3.Frase de Althusius, criador do método qualificado como "genético"; considerava a família como última instância, desprezando o interesse do indivíduo, porque submisso à causa maior. Cit. Chevallier,Tomo I, p. 316.
4.Platão, cit. Bobbio, N., em Cardim, C.H., p. 117.
5.Bodin, cit. Bobbio, N., A Teoria das Formas de Govêrno, p. 95.
6.Bodin, cit. Chevallier, p. 56.
7.Bodin, Jean, République, 1576; cit. Perelman, C., p. 325.
8.Koselleck, Reinhart, p. 22.
9.Bodin, cit. Chevallier, Jean Jacques, p. 55.
10.Japiassú, Hilton, A Revolução Científica, p. 173.

11.Bodin, J..; Hobbes, T.; Filmer, R., cits. Bastos, W. L., p. 172

O Triunfo da Doilética

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DE QUE MANEIRA A ESTRATÉGIA de Hegel pode ser acolhida, ainda mais como manifestação científica, embora repleta de carências e absurdos? Como a dialética recebeu tão cobiçado galardão? De que modo a simples lei positiva, essa expressão de vontade unilateral e e comumente paranóica brilha tal qual pura expressão da ciênciae até da democracia?-
“A cisão é a fonte da exigência da filosofia”, diz Hegel no Differenzschrift. (1)
O instrumento sectário platônico, já utilizado com êxito por Maquiavel, Bacon, Hobbes, Newton, Rousseau e, principalmente, Descartes, atingira o ariano:
O abandono da universidade da Idade Média deve-se a uma iniciativa de um pequeno país chamado Prússia, no começo do século XIX, que criou uma universidade de maneira inovadora, dividida em departamentos: de Ciências, de Química, de Matemática. (2)
Dentre elas, a grande vedete era a última:
Na matemática não há fatos fora do seu próprio campo que exijam comparação. Por causa dessa certeza, os filósofos de todos os tempos sempre admitiram que a matemática propicia um conhecimento superior e mais confiável do que o reunido em qualquer outro campo do saber.(3)

Como ele cruzamos propriamente o umbral de nossa filosofia independente. Aqui, podemos dizer, estamos em casa e podemos, como o navegante após longo périplo por mar proceloso, exclamar ‘terra’! (5)
Só enganchando suas elucubrações na locomotiva científico-filosófico-mecanicista é que Hegel poderia alcançar o status almejado. Na má temática mistificada, o venerando caia bem: “Hegel tem Descartes na conta de um herói." (4)
Hegel não titubeou homenagear o ídolo:

Sinceramente, era preferido ter ficado no mar.
O olvidado Newton emprestara ainda maior certeza. No começo da terceira parte dos Principia, a demonstração cabal de fenômenos de ação e reação, fenômenos mensuráveis, por isso com carga científica, vinha bem a calhar:
“Na natureza, nenhuma coisa muda senão pelo encontro das outras”. (6)
Agora demonstrarei a estrutura do Sistema do Mundo: todo o corpo continua no próprio estado de repouso ou de movimento uniforme numa reta, a não ser que seja impelido a mudar esse estado por forças que lhe forem aplicadas. A mudança de movimento é proporcional à força motriz aplicada e ocorre na direção da reta em que a força foi aplicada. Para toda ação existe sempre uma reação igual e oposta. (7)
A medição de fenômenos físicos de acordo com sua intensidade variável, mas de regular constância sobre um eixo epistemológico arbitrado, como se tudo pudesse ser resolvido por aperfeiçoados medidores, passou aplicada em todos os temas relevantes, especialmente nas ciências humanas, e por Hegel.
Jean T. Desanti analisa os esforços, tentativa de “emendar os encadeamentos operatórios da matemática com seus encadeamentos conceituais.” (8)
A operação redunda em trazer à tona o dark side, o negativo subliminar da trajetória histórica conhecida, à luz de uma virtualidade completamente fantasiada, na moda evolucionista. Geólogos viam a Terra como produto de ação contínua das forças naturais (só não sabiam quais) durante enorme período, enquanto Lamarck apresentava uma coerência evolutiva capaz estabelecer até a Origem das Espécies, de Darwin. A evolução detectada na “força maior” encaixava-se no estudo das ciências humanas e Hegel buscou o sucesso pela mesma escada, deixando-a estendida a Darwin. Na tentativa de afastamento das antigas concepções rigorosamente deterministas, tanto este como aquele caíram vitimas dos próprios desígnios. Destarte, ao invés de se aproximarem da moderna concepção de natureza (que dezenas de anos após seria cabalmente demonstrada por Einstein) Hegel, alguns antepassados, contemporâneos e sucessores reforçavam o equívoco mecanicista com outro, embora pensado biológico, porém mais nefasto e mais baconiano, porque no sentido da dominação pela força. O absurdo pairou preconizado por esta biologia mecanicista, uma psicologia behaviorista, uma história empírica, uma sociologia descritiva, coisificante, e um direito que lhes corresponde, totalmente opressor.
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Notas
1. Hegel G.W., cit. Cicero, A., p. 73.
2. “Em seminário internacional do MEC, pensador Edgar Morin fala na educação do futuro: ‘Ensino sem espírito não funciona’”; jornal Folha do Sul, Porto Alegre, 24/9/2000, p. 17.
3. Russell, B., 2001, p. 137.
4. Hegel, G.W.; Descartes, R., cits. Alquié, F., p. 17
5. Descartes, R., cit. Hegel, G. W., Conferências e escritos filosóficos de Martin Heidegger; Hegel e os gregos, p. 20
6. Newton, Isaac, cit. Capra, F., 1991, p. 60.
7. Newton, I., cit. Rohden, H., 1993, p. 169.
8. Cits. Descamps, C., p. 93.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Uma ironia

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A tragédia não é quando um homem morre;
a tragédia é aquilo que morre dentro de um
homem enquanto ele ainda está vivo.

Albert Schweitzer

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Dia da Consciência Negra

,
Engraçado este dia. É preconceito racial!
Deveriam seus autores e participantes
serem punidos pela lei em vigor.
Mas,
pensando bem, não seria nada mau que
pelo menos uma parte de nossa população
tivesse alguma consciência, seja da cor que
for,
ainda que apenas nesta data..

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O Diabo

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Nietzsche nunca se enganou: a história do pensamento ocidental era uma permanente festa a fantasia, a que dogmas e religiões do mundo compareciam vestidos de arlequim.
Naquela aflição mais antiga cabia à Igreja eleger o adversário.
O diabo passou a apanhar de todo mundo. Nunca adiantou.
Jamais morrerá. É fundamental coadjuvante.
Sem sparring, não há espetáculo, porque não há contendor.

* * *
Para Thomas Hobbes, o próprio homem é o diabo. Então necessita de um deus presente, o Estado. Por terreno, Leviathan exige alimento. Cabe ao diabo trabalhar. No ano em que o desalmado defensor apareceu duzentos livros de matemática saíram publicados. O exército divino não gostava desta idéia:
Um conselho sem dúvida bem-intencionado, atribuído a Santo Agostinho, advertia os cristãos a manter distância das pessoas que sabiam somar ou subtrair. Era óbvio que haviam firmado um “pacto com o diabo”. Toffler, A. e Toffler, H., Criando Uma Nova Civilização - A Política da Terceira Onda, p. 41
A fé cega “baliza” os pobres mortais, mas a presunção geocêntrica foi muita ingenuidade. Não fora culpa de Deus. Ele não iria enganar suas criaturas. Qualquer equívoco como este monumental vem do “gênio mau”, “manhoso e enganador”, colado na gente:
O Deus cartesiano nos dá algumas idéias claras e precisas que nos permite encontrar a verdade, desde que nos atenhamos a elas e não nos deixeis cair no erro. Koyré, 2001: 100
Seria a tal tentação? Mais simpes errar do que acertar?  Assumiria  a anomalia maior efeito gravitacinal do que tudo o mais? Não dá.  O erro, todavia, é a meta. Por incrível que pareça, o erro  é presente por projeto. O mal vem pelo corpo para transformar o divino bem da alma, e isso já ensinara Platão:
A terra, ou seja, a matéria, é contraposta à verdadeira natureza da alma, quer dizer, ao seu ‘ser boa’. A matéria representa o mal.
Cit. Kelsen, 1998: 3
Dom Quixote concorda, mas seu autor se consagrou pela indústria.
Para Marx, o diabo é o patrão. Os russos acreditaram. Lenin e Stalin não eram patrões; eram apenas ladrões, assassinos de massa.
Os EUA são pródigos em perseguir belzebú, nas vestes que vê. Na década de vinte corriam atrás dos alcoólatras. Os gangsters gostaram do grand prix; e dizimaram a população. Na de trinta, o país começou a enfrentar o ex-aliado, anjo revoltado. Na de quarenta, a Cortina de Ferro desceu sobre o palco. A platéia não pode mais enxergar. O maligno perdeu a graça, e encerrou o entedioso show.
Logo apareceram dois clones: um largou a bebida pela droga. O outro, pelo islamismo.
A droga é um produto altamente rentável. Rende votos aos caçadores; rende muito aos traficantes, aos jornais, e justifica as altas somas envolvidas. O islamismo também. Bush amealha astronômica cifra para caçá-lo. Enquanto isso, saquea-lhe o petróleo.
No Brasil, Getúlio, o suicida, deu o golpe por causa da grande ameaça. Um exército subversivo varava dentro do mato. Os 20 brancaleones do imprestável Prestes não enfrentaram nem tucanos, nem macacos, mas alimentavam-se com capivaras. Era um terror só. Gegê defendeu a cidadela. Deve ter sido mesmo um herói.
"Neste país", contrário ao paraíso, o diabo virou anjo. Nos anos de chumbo, era chumbo grosso para ele. Agora, dinheiro grosso, por mensalão. Os diabos foram anistiados, e são assim aquinhoados.
Há quem o procure nas entranhas. Coube a Freud a primazia. Não precisava procurá-lo. Sua própria mente dividia a cama com ele.

domingo, 11 de novembro de 2007

Santo Domingo

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NOS DOMINGOS os sinos substituem os apitos das fábricas. Eles dobram para embrulhar o crente. O dia também é de féria.
O desemprego no Brasil é um problema criminal. É conseqüência de desvio de astronômica cifra. Muitos acreditam que pela fé tudo se resolve. Os sinos reacendem as esperanças. Fazem supor que o crime e a mazela social, o infortúnio, a corrupção e a insolvência possam ser arrefecidos por cânticos, louvores e choramingas. O vale é de lágrimas, mas de nada tem valido. Credos e sacrifícios buscam a "nós o vosso reino", mas ele não sai do lugar. Dizem que a fé remove montanhas. Melhor um trator, então. Ela deveria tentar reaver, em vez de querer remover. O cume atinge 30 bi, nas Caymann.

Outros são curados por doenças terminais e agradecem com pagamentos de promessas e dízimos. Dali há dias, morrem de outra doença, ou até atropelados. O falecimento não é por falta de fé; mas ela interessa aos padres, às igrejas, aos pastores, aos colégios, banqueiros, contribuintes de campanhas, aos vigaristas, aos aspirantes e governantes.
A ovelhinha, periodicante tosqueada por toda essa gente, supõe que receberá seus créditos no outro mundo. Lêdo engano: no universo abstrato no qual ingressará, pelo que se saiba, não há comércio; portanto, não há contabilidade!
Antes de crer, mister conhecer; em vez de esperar, pró-dente movimentar. Não semeie para a vida eterna. Nela não há futuro: ela é presente, asseguro.

A Má Temática da Igualdade

A Constituição Francesa de 1791 proclamou uma série de direitos, ao passo ‘que nunca houve um período registrado nos anais da humanidade em que cada um desses direitos tivesse sido tão pouco assegurado - pode-se quase dizer completamente inexistente - como no ápice da Revolução Francesa.’ LEONI: 85
Sentados lado a lado, os índios parecem se apresentar em iguais condições. Não é verdade. Veja que uns adornam a cabeça, outros não. Nenhum adorno é igual ao outro. Uns tem joelhos no vermelho, outros no azul. Nos braços as cores também variam, como de resto nos pés. Embora olhem para a mesma direção, a postura de cada um é divergente. As expectativas também. E não há dinheiro em jogo. São outras relações:
A comunidade fala-lhe com uma mesma voz, mas cada indivíduo fala partindo de um ponto de vista diferente; no entanto, estes pontos de vista estão em relação com a actividade social cooperativa e o indivíduo, ao assumir sua posição, encontra-se implicado, devido ao próprio carácter da sua resposta, nas respostas dos outros. HERBERT, A filosofia do ato: 153; cit. ABBAGNANO: 29 
O AVATAR do marxismo e da democracia mora na igualdade. Aquele buscou atingi-la com fuzis. Não deveria nem ter tentado: se E=Mc2, o materialismo não tem, sequer, objeto! Até o muro desapareceu. Não há o quê abordar.*
A aferição consensual tem por princípio “cada cabeça, um voto”. Às controvérsias dos imperfeitos humanos, bastaria equacionar contendores em eleições, agora eletrônicas.Em todos regimes somos “iguais perante a lei”, mas neste Estado de Direito a maioria é mais igual (?!), e por isso supõe ser a fonte da lei. A voz do povo deve ser a voz de Deus. A maior soma expressa a Vox apregoada, mas será mesmo ela, vibrante com os gladiadores, histérica na queima das bruxas e aguda na praça da guilhotina, originária ou expressão celestial?
Todo o país possui magna carta, paradigma da Nação. A pioneira conserva total êxito; e sua filha, modernizada, é hegemônica. Que segredo compartilham? A igualdade democrática? A intensidade da ordem? A quantidade de leis? O vigor da justiça? O fomento nacionalista? O processo eleitoral? A participação popular? O princípio da maioria? A firme presença dos partidos? A disputa restrita a dois maiores? Supomos todos essenciais. Então, na cabine adentra o ufanista eleitor, orgulhoso pela “lição de democracia”, da qual se arvora professor e até participa, de modo muito ativo, exercendo força capaz de alternar o partido dominante, embora já não se vejam mais partidos, e sim corporações. Presume o incauto que ipso facto guarde a democracia, a propriedade, a liberdade, o Estado de Direito. Ledo engano, o mais crasso dos equívocos: "Não existe tirania mais cruel do que a exercida à sombra da lei e com uma aparência de justiça, quando, por assim dizer, os infelizes são afogados com a própria prancha em que tinham sido salvos." (Montesquieu: 109)
Ao venerar a condição primaz, o eleitor se aliena:
Em muitos Estados do Terceiro Mundo, o assim chamado povo soberano não é nada. Ou quase nada. Fica à margem ou ausente do jogo político, limitado a um círculo restrito. Chamam-no somente para ratificar, plebiscitar e aplaudir. [...] Sobretudo por ocasião das eleições presidenciais. (Schwartzenberg: 320)
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor.(Pipes:251)
A massa ignora o papel do Estado, ainda que o tome por uma grande coisa . Para gáudio dos impostores, ela crê em qualquer futuro pintado:"Quanto mais facilmente os eleitores acreditarem nas forças mágicas do Estado, tanto mais estarão dispostos a votar a favor do candidato que promete maravilhas. (Sorel: 145) "Mas quando o legislador é finalmente eleito – ah! Então o seu discurso muda radicalmente [...] o povo que durante a eleição era tão sábio, tão cheio de moral, tão perfeito, não tem mais nenhuma espécie de iniciativa." (Bastiat: 59)
A ideologia chega ao seu ponto máximo quando coloca o direito como instrumento acionado por uma “vontade”, a da maioria, através de seus ‘representantes’ - de ‘legisladores racionais.’ Jamais se questiona se os ‘representantes’ não estariam sujeitos as conveniências políticas.(Coelho: 341)
Torna-se communis opinio que quem detém o poder e deve continuamente resguardar-se de inimigos externos e internos tem o direito de mentir, mais precisamente de ‘simular’, isto é, de não fazer aparecer aquilo que existe, e de ‘dissimular’, isto é, de fazer aparecer aquilo que não existe.
(Bobbio: 372)
Vamos ao tema - a história dos povos e a ciência de ponta dissipam as dúvidas: nem a igualdade, tampouco a participação popular são fundamentos democráticos:"A doutrina da igualdade!... Mas não há nenhum veneno mais venenoso: pois ele parece estar sendo pregado pela própria justiça, enquanto é o fim da justiça." (Nietzsche: 106) "A lei só será um instrumento promotor da igualdade se tirar de algumas pessoas para outras pessoas. E nesse momento ela se torna instrumento de espoliação." (Bastiat: 33) "Aplicado aos outros domínios da vida em sociedade, o formalismo igualitário das regras coexiste mal com a exatidão das diferenças naturais." (Guéhenno: 37)
A increpação só atende ao gosto do rei: “O igualitarismo não é imposto pela sociedade ao Poder, mas pelo Poder à sociedade.” (Cannac: 107)
Resta indagar “igualdade de quê?”, fulcro do prêmio Nobel de Economia 1998, Amartya Sen.
Não há igualdade entre os homens, tampouco nos reinos animal, vegetal, e até no mineral. Se a procurarmos na teia cósmica, sequer nos anéis de Saturno. Não existe igualdade na natureza, nem entre os átomos que a compõem. O espaçotempo de cada partícula diverge da vizinha, seja por variações das órbitas dos elétrons pelos saltos quânticos, seja por deformar o espaço à sua volta pela simples passagem, ou por que o Universo, desde o Big-Bang, se expande, tornando-nos, ainda, peculiarmente complexos, originais, evolutivos, por tudo mutantes:“Uma das conseqüências da ‘diversidade humana’ é que a igualdade num espaço tende a andar, de fato, junto com a desigualdade noutro.” (Sen: 51)
Tudo muda. Tudo flui, disse Heráclito. O rio nunca é o mesmo - são outras águas, em novas margens. Universo é movimento. Vivemos num caldo de energia cósmica fluente do caos atômico. As aspirações e necessidades de cada ser mudam constantemente. A flecha do tempo se distancia de si mesma. Somos diferentes de ontem, e de tudo o mais, na estupenda dança universal. A riqueza da Terra aí reside. E no entanto, ardemos de paixão pela justiça, pela igualdade!
* * *
“Sem homens livres não há possibilidade de um Estado livre.” (Rosselli: 149)
O mais reverenciado jurista do século XX tardou trinta anos, mas dobrou-se à grande diferença: “É o valor de liberdade e não o de igualdade que determina, em primeiro lugar, a idéia de democracia.” (Kelsen: 141)
Os soviéticos demoraram o dobro, mais dez. Na implosão da Perestróika, o que se viu foi uma casta encastelada, a Nomenklatura dissipando-se no buraco-negro do blefe. A faina era utópica, do vírus platônico, apenas ideológico; e, como tal, estéril: “Aparentemente a desigualdade – não a igualdade – é uma condição natural da humanidade.” (Dahl: 77)
O distintivo da democracia é a partilha do poder, não a igualdade entre as gentes:

A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir- se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. A autonomia, para distritos e organizações, daria menos ocasiões para que os governos fossem chamados a tomar decisões nos assuntos alheios.
(Russell: 24)
__________
*Após quase 50 anos, Cuba deve começar a reduzir os generosos benefícios de seu sistema de Bem-Estar Social. O chefe do departamento de análise de macroeconomia do Ministério da Economia cubano, Alfredo Jam, disse que os cubanos têm sido "protegidos demais" por um sistema que subsidia os custos com alimentação, limita os ganhos e diminui a força de trabalho em setores industriais chaves para a economia:
"Nós não podemos dar às pessoas tanta segurança em relação às suas rendas que afete sua disposição para o trabalho", disse ele ao Financial Times de 19/8/2008. "Nós podemos proporcionar igualdade no acesso à educação e à saúde, mas não igualdade de renda".
Quase. Assim como não podym fazer passes-de-mágica para criar riqueza, tampouco podem igualar algo.
FONTES
BASTIAT, Frèderic, A lei; trad. Ronaldo da Silva Legey. – Rio de Janeiro : José Olympio Editora, 1987.
BOBBIO, Norberto, Teoria geral da política : a filosofia política e as lições dos clássicos; organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccaccia Versani, - Rio de Janeiro : Campus, 2000.
CANNAC, Yves, O justo poder; tradução Célia Neves Dourado. - Rio de Janeiro : Instuto Liberal, 1989.
COELHO, Luiz Fernando, Teoria crítica do direito. - Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991
DAHL, Robert A., Sobre a democracia; tradução Beatriz Sidou. – Brasília : Editora Universidade de Brasília, 2001.
GUÉHENNO, Jean-Marie, O futuro da liberdade : a democracia no mundo globalizado; tradução Rejane Janowitzer. – Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2003.
KELSEN, Hans, A democracia; tradução Ivone Castilho Benedetti, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla, Vera Barkow. - São Paulo : Martins Fontes, 1993.
MONTESQUIEU, Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência; tradução Vera Ribeiro. – Rio de Janeiro : Contraponto, 2002.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm, Crepúsculo dos ídolos; tradução Marco Antonio Casa Nova; revisão técnica, André Luís Mota Itaparica. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Relume Dumará, 2000.
ROSSELLI, Carlo, Socialismo liberal; tradução Sérgio Bath. - Brasília, D.F. - Rio de Janeiro : Instituto Teotônio Vilela - Jorge Zahar Editor, 1997.
RUSSELL, Bertrand, Ideais políticos; tradução Pedro Jorgensen Jr. - Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2001.
SCHWARTZENBERG, Roger-Gèrard, O Estado espetáculo; tradução Heloisa da Silva Dantas. - Rio de Janeiro : Difel, 1978.
SEN, Amartya, Desigualdade reexaminada; tradução e apresentação Ricardo Doninelli Mendes. - Rio de Janeiro : Record, 2001.
SOREL, Georges, Reflexões sobre a violência; tradução Paulo Neves. - São Paulo : Ed. Martins Fontes, 1992.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

À Viagem Virtuosa


A MANCHETE PRINCIPAL encerra a semana do diário El País: os uruguaios preferem a fé, em vez da ciência. Lamentável. As vias não são excludentes, ou antagônicas, como queriam papas renascentistas, e ainda presumem os celestes. A gnose e a esperança são tão complementares quanto energia & matéria.-
A vida virtuosa se inspira no amor, mas é guiada pelo conhecimento.
Na Idade Média, quando a peste assolava a região, os sacerdotes reuniam os habitantes nas igrejas. Supunham que o povo unido jamais seria vencido. Quanto mais vozes integrassem o coro da oração, mais forte e eficaz seria o apelo. Como conseqüência, a praga se propagava com extraordinária rapidez. Eis, portanto, um exemplo de amor sem conhecimento. Não serve. Carrego mais a asa direita.
O amor, em sua totalidade, é uma combinação indissolúvel de dois elementos: deleite e bem-querer. O deleite desprovido de bem-querer pode ser cruel. E o bem-querer, sem deleite, é frio e arrogante. Esquerda ok.
Dois tanques completos, Nav's ALL na rampa. Let's go!
(Copiloto: TriPulante Sir Bertrand Arthur William Russel)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

ALLmirante na parada de sucesso


O estilo é exemplo à Editora:

"Como já dissemos, você jamais deverá usar Vírgulas (observe que, sempre que usamos o termo Vírgula como referência ao tema principal deste texto, o fazemos em maiúscula para que o Leitor o tenha como centro da explanação) para separar o Sujeito do Predicado (ou o Verbo de seu Complemento). Contudo, deverá fazê-lo ao apresentar outros termos entre eles, como Aposto, Vocativo, ligações estilizadas, etc. Agora, observemos situações nas quais o uso da Vírgula é necessário ou, quando menos, subterfúgio de estilo: "Houve, contudo, quem acreditasse nos preceitos ético-político-econômicos liberais e... ("A GRANDE REVERSÃO" - CESAR AUGUSTO DUARTE RAMOS) "

EVIRT-EDITORA VIRTUAL

Ei, meu: subterfúgio não faz sucesso!

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

(CH)ORAI POR NÓS, ARGENTINA!


NOSTÁLGICO COMO ARGENTINO? Difícil. O tango nao sai das paradas. Está no ar pelas rádios, cafés, cines, teatros, e até no hangar do aeroporto, desta feita gracas a Menem. Vem Piazzola, vem Gotan Project, voltam Vicente Celestino, Mercedes, Perón & Evita. La Boca curte a imigracão italiana. Ramos Mejia destoa. A noite moderna ruge às margens do Tigre.
Los hermanos devem ser espíritas. Adoram aquela de não deixar ninguém sair da Terra. Os espíritos vão e voltam. O da Evita está na ponte-aérea: primeiro a legítima, a putanesca de Perón. Depois a clone, pela Isabellita. Agora vem ela de novo, sempre com nome católico. Haja mistificação. Haja enganacão.

Argentinos se consideram muito espertos. São mesmo competitivos. A USAF tem o Air Force One; eles, o Tango 1. Hoje o platino desceu em Ezeiza rebolando, sambando de asa torta. Nao adianta. O érforss 51 é só nosso.
As Malvinas foram requeridas depois de um empate em Wembley. A Casa Rosada supôs que o jogo em casa ser-lhe-ia favorável. Nada rosado. Muito rosário. Gral. Belgrano jaz no fundo do oceano. Patriotas à malbordo não tiveram funeral.
Em Buenos Aires já raiou o novo dia. É o mesmo de 1937: inflacao, juizes corruptos, políticos malfeitores, povo sonhador.
Os precos galopam pelos pampas. Os nossos nao se alteram. Deveriam correr para trás, mas ninguém sabe o que é isso. É que trocamos a inflação pela deflação. Se em La Plata recomeca a sobrar la plata, aqui na terra, há 12 anos, ninguém mais vê as notas de cem. Nem bancário. Elas dormem no paraíso.
O resto é igual. Todos à beira-da-morte. Quem mandou acreditar em vigarista?
Nao adianta "rogai por nós". Chorai, Argentina, chore também por nós.