sexta-feira, 11 de abril de 2008

Einstein e os positivistas do Brasil

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A questão que minha mente formulou foi respondida pelo radiante céu do Brasil.
ALBERT EINSTEIN
De 4 a 12 de maio de 1925, no Rio,  o apto. 400 o Hotel Glória abrigou a personalidade do século. Einstein visitou o Museu Nacional, o Instituto Oswaldo Cruz, o Observatório Nacional;  falou na Rádio Sociedade e percorreu pontos turísticos da cidade. Sua passagem suscitou até mesmo na imprensa  o acalorado debate entre positivistas, contrários a idéias do físico alemão. Cerca de 70 anos depois, um importante documento, datado de 7 de maio daquele ano e assinado, foi encontrado no RJ. A tradução original da comunicaçao de Einstein a ABC foi publicada no número um da Revista da Academia Brasileira de Ciencias ainda em 1926, mas o conteúdo e a existência do manuscrito não são conhecidos internacionalmente.
“José Mendes doutrinava as lições de Spencer e Pedro Lessa, adepto da teoria evolucionista. Relativamente a distinção entre Moral e Direito, optava pela teoria de Bentham. João Arruda seguiu-lhe os passos.” (1)
Clóvis Bevilácqua (1859-1944), quase que único responsável pelo Código Civil, veio pelo mesmo trilho dialético-mecanicista, no trem de Comte e Darwin.:: “A formação das idéias é, como a formação de um organismo, um fato da evolução; é uma evolução orgânica nos centros do cérebro”. (2) Informa-nos Miguel Reale, entretanto, que para Bevilácqua “a sociologia é que podia dar a verdadeira concepção do Direito.” (3) (Se ela estivesse equivocada, como está, ai de nós.) Ao codadão caberia assimilar a exuberante produção de leis que teríamos a partir de então: “Serão praticadas por impulso natural”. Tal impulso, contudo, sempre precisou da baioneta. A instalação da república positivista no Brasil -
Francisco Campos, Gustavo Capanema, Amaro Lanari entraram na lista para “manter e fortalecer o espírito de unidade nacional e pregar e desenvolver os altos sentimentos e grandes virtudes humanas”. Oswaldo Aranha, Plínio Salgado, Santiago Dantas, Augusto Frederico Schmidt e Hélio Viana fizeram fama ingressando no mesmo rol. Gilberto Amado, Carlos Maul, Olegário Mariano, Cassiano Ricardo, Danton Jobim, Francisco Campos, etc. engrossaram o Coral, a avalanche positivista que se agadanhou do poder com a proclamação da rês ex-pública, desse modo tornada privada, e muito fedorenta.

A presença de Einstein
Não me agrada absolutamente a tendência 'positivista' ora em moda (modishe), de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau desejado de precisão e penso que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observação, mas há que ser inventada. EINSTEIN, A., cit.POPPER, K.,, A Lógica da Pesquisa Científica: 525.
Hugo Lovisolo lamentava a importância assumida neste país pelo já na época antiquado método de averiguação científica e prática política. Na vã esperança de abrir as cabeças, implorou para que Einstein, vindo da Argentina, fizesse uma escala no Brasil:
A universidade brasileira ainda não existia, é certo, mas também há consenso em se afirmar que sua emergência foi retardada pela posição dos positivistas comtianos - ortodoxos ou heterodoxos, autoritários ou democráticos - que consideravam que, no clima de opinião vigente, sua instalação apenas aumentaria a confusão existente no país entre as etapas ou estágios de desenvolvimento do pensamento. Mais ainda, o comtismo considerava a ciência como fechada, como já sintetizada. Ambos os argumentos vão de encontro a um conceito liberal de universidade. A presença do comtismo pode ter realmente significado um contrapeso a qualquer iniciativa de convidar Einstein a vir ao Brasil. Um argumento forte é o fato de que a polêmica entre comtianos defensores da mecânica clássica e einstenianos era pública e reconhecida nos jornais (4)
Einstein tinha o Brasil no coração. Ele aportou precisamente em 4 de maio de 1925.
A mais prestigiada conferência sobre a Teoria da Relatividade aconteceu no reduto positivista, o Clube de Engenharia, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Posteriormente, Einstein compareceu na Academia Brasileira de Ciências. Mas quem seria este meio desconhecido estrangeiro frente aos gloriosos antepassados, ou diante de um Licínio Cardoso**, e talvez até do colosso Pontes de Miranda? E quantos renomados catedráticos, além das dezenas já citados, não aplainavam a pista jurídica com a patrola positivista, fazendo do tema profissão? Como abdicar? Como renunciar ao destino cada vez mais interessante, há muito escolhido? Todos diriam não, solenemente!
Esses primeiros contatos, porém, não foram intelectualmente proveitosos pois a platéia ainda conhecia pouco as teorias expostas por Einstein, envolvendo física quântica e a própria Teoria da Relatividade, e olhavam com desconfiança e ceticismo tais idéias 'extravagantes' para a época. Márcia Tait Lima A genialidade não relativa de Einstein, Cienc. Cult. vol.57 no.2 São Paulo Apr./June 2005
Nosso renomado jurista, filósofo e sociólogo Pontes de Miranda se deixou seduzir pelo “canto da sereia” e cometeu a majestosa gafe científica ao tentar colocar em xeque, à priori, a Teoria da Relatividade, como se uma ponte de mirante, ainda que a mais magestosa, pudesse ser mais bela do que a própria paisagem: “O espaço encurva-se à mercê da matéria ou a matéria cria o espaço? Espaço, tempo e matéria são entidades distintas ou são abstrações? Qual dos dois é dependente, o espaço ou a matéria? Qual o formador e qual o formado?” (5)
Data venia, Herr Einstein, a Teoria da Relatividade não considerou as implicações metafísicas das hipóteses que aventa. Das ciências físicas até as ciências jurídicas a diferença, saiba, é de grau. A Física mantém um pacto com o mundo da sociedade também, e é pacto que tira e põe, mas não deixa intacto o que estava. A questão é tanto mais delicada quanto a afirmação de não se poder alegar o erro e a de se exigir a capacidade objetiva e o além da capacidade objetiva, que leva a argumentos a favor de uma e de outra opinião. Falta na Teoria da Relatividade o conhecimento, a informação de que não é só o mundo em si, an sich, de que ela trata. Há de se ver que nas suas conseqüências, falta o desdobramento de um mundo para nós, für uns...
A preocupação com a metafísica denota a gravidade do rumo tomado peça ciência,  em viés meramente ideológico. Cabe utilizat a cíência como instrumento de condução social? Ou ela é apenas reflexo, uma tradução da realidade, independentemente de qualquer motivo que lhe mova? Que metafísica faz rugir um trovão? Não obstante a platéia delirava diante do brilho verde-amarelo. O cientista sorria e mantinha silêncio. Quando acabou o discurso de contestação à Teoria da Relatividade, o físico se levantou, e como a se despedir, entregou a um dos acadêmicos um papel onde se lia a citação da abertura, no original::
Die Frage, die meinen Kopf entsprang, hat Brasilien sonniger Himmel beantwortet

Trattner (Einstein por ele mesmo - A vida do grande cientista: 43) detalha:
Foi em conseqüência disto que Einstein predisse que os astrônomos verificariam uma curvatura dos raios estelares na proximidade do Sol, sendo ela maior junto à borda do grande orbe solar e diminuindo com o afastamento, até se tornar nula. É a curvatura do espaço, e não a suposta força da gravidade que faz o projétil cair no chão depois de descrever uma trajetória curva. A própria idéia da redondeza da Terra - e da curvatura de sua superfície - é um tanto recente. Foi preciso muito tempo para que a humanidade viesse a reconhecer esta verdade. Por que? Porque deslocando-nos sobre sua superfície numa direção qualquer, temos a impressão de que viajamos em linha reta. A realidade, como se sabe, é outra; e a prova é que se nos continuássemos a viajar na mesma direção, acabaríamos fazendo o circuito da Terra e regressando ao ponto de partida. Por aí se vê que a Terra é ilimitada, porém não infinita.
Lincon Barnett (O universo e o Dr. Einstein: 12) compreendeu aquela e outras manifestações de ignorância, mas lamentou:
Por isso não é de estranhar que muitos universitários ainda imaginem Einstein como uma espécie surrealista de matemático, e não como descobridor de certas leis cósmicas de imensa importância na silenciosa luta do homem pela compreensão da realidade física. Eles ignoram que a Relatividade, acima de sua importância científica, representa um sistema filosófico fundamental, que aumenta e ilumina as reflexões dos grandes epistemologistas - Locke, Berkeley e Hume. Em conseqüência, bem pouca idéia têm do vasto universo, tão misteriosamente ordenado, em que vivem.
Mas qual Minerva inspirava as sumidades? Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda se  “tratava o Direito como se fosse uma ciência natural, igual à Física ou Química”. (7)  A ciência que o notável Professor e Embaixador supunha  natural, com Einstein se provava totalmente artificial. A compreensíovel incredulidade lhe fez tropeçar ainda mais. Custou a parar: “Um dos mais graves problemas da teoria da relatividade generalizada é o de saber se o espaço preexiste ou se deriva da matéria”. (8) 
JOHN WELLER (19112008  cit. ROHMANN, Chris: 345) poderia lhe explicar: "A massa informa ao espaço como se curvar; o espaço informa à massa como se movimentar."
Entre nós ninguém acreditava no gênio:"O senhor Licínio Cardoso, na primeira fila, tinha o ar de quem, acompanhando a exposição feita, contrapunha mentalmente aos princípios da mecânica einsteniana os dogmas de Augusto Comte." (9) 
Diga-se a bem da verdade: Todo mundo científico se mostrava incrédulo.  Einstein fora agraciado com o o Nobel de Física  em 1921, mas pela explicação do efeito fotoeléctrico;, lavrada no primeiro ano do século, e não sobre o heurístioo Princípio da Covariança, embrião da Teoria  que  revolucionava todas as ciências e filosofias praticadas por "apenas"  dois mil e quinhentos anos a fio: 
As discussões a respeito das fotografias de Crommelin e Eddington continuavam, às vezes acaloradamente. A teoria de Einstein, então extremamente difícil de ser entendida, não era aceita por muitos expoentes da ciência. Um deles, o eminente sábio Sir Oliver Lodge, abandonou o encontro em sinal de protesto. (10)
As dúvidas foram encerradas. 
Enfim foi descoberto:
a luz pode ser curvada
E Einstein de glórias coberto.
O excepcional Pontes, depois de tantas provasm discussões, e após muitas reflexões, acabou “enfeitiçado”. E passou a citar, de certo modo se desculpando: “O espírito não se satisfaz com a verdade científica, se moldada na seca abstração dos símbolos matemáticos, como diz A. S. Eddington, na valiosa obra sobre Space, Time and Gravitation (Cambridge, 1920).” (11)  Tal qual Kelsen, em  lusstro subsequente  o alagoano  autor de numerosoas obras nos campos da Matemática, Sociologia, Psicologia, Política, Poesia, Filosofia e sobretudo Direito, com obras publicadas em português, alemão, francês, espanhol e italiano.operou sua redenção, até mesmo superando austríaco monstro sagrado da Teoria Pura do Direito.
A  relatividade deve também atender ao complexo sociológico de "soma" mais 'psiqué' do observador (Homem). Corpo e espírito  atuam e movem-se no mesmo universo dos corpos celestes; portanto, sujeitam-se às leis de matéria-energia. O que o Homem percebe em um instante não é rigorosamente idêntico ao apreendido em outro. No interregno pesquisador e objeto sofrerm alterações. alguma alteração. ainda que mínima que seja. A biofísica interfere nos processos sociais de adaptação: Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. MIRANDA, Pontes de,  Vorstellung vom Raume. (A concepção de Espaço) - Atti del V Congresso Internazionale di filosofia. Napoli, 1925.
Sua obra Sistema de Ciência Positiva do Direito, e a Teoria da Relatividade,  desintegrou completamente tudo o que havia construído em sua gloriosa existência, não olvidando de mencionar o descomunal esforço para desconstruir o imenso castelo metafísico arquitetado desde a longínqua caverna de Platão,
O princípio da relatividade deve ser mais geral ainda - devemos procurar a diferença de tempo nas realizações biológicas e sociais, - o tempo local das espécies e dos grupos humanos. Isto nos poderá explicar muitos fenômenos que resistem às explicações atuais. Mas para conseguir tais fórmulas muito terá que lutar o espírito humano contra os preconceitos que o rodeiam e contra as obscuridades da matéria que irá estudar.
Por isso não é de estranhar que muitos universitários ainda imaginem Einstein como uma espécie surrealista de matemático, e não como descobridor de certas leis cósmicas de imensa importância na silenciosa luta do homem pela compreensão da realidade física. Eles ignoram que a Relatividade, acima de sua importância científica, representa um sistema filosófico fundamental, que aumenta e ilumina as reflexões dos grandes epistemologistas - Locke, Berkeley e Hume. Em conseqüência, bem pouca idéia têm do vasto universo, tão misteriosamente ordenado, em que vivem. BARNETT, Lincon, O universo e o Dr. Einstein: 12
Em "ordem e progresso"  ainda permanecemos  expondo ao mundo nosso grau de ignorância.  Embora um tanto velha, coisa de exato século, a notícia põe por terra a fantasia do sonâmbulo do  berço esplêndido:
O positivismo, como todas as correntes de pensamento, teve seu momento e valor, entretanto seu unideterminismo causalista e sua pretensão hegemônica, mesmo maquiada, não podem mais ser parâmetros para construção dos genuínos diálogos  científicos. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br
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Notas
* www.mast.br/nav_h05_txt511d.htm-
** O tal Cardoso presidente da sessão de ciências físicas e matemáticas da Academia e catedrático de mecânica racional na Escola Politécnica (seria mesmo ancestral de Fernando H?), chegou ao ápice de afrontar diretamente o Grande Relativo. O artigo intitulado Relatividade Imaginária (O Jornal no dia 16 de maio) colocou Einstein na saia-justa, justamente por "demonstrar" que eram os "positivistas" os donos da verdade científica, e não o "impostor".
1. Cit. Reale, Miguel, O Direito Como Experiência, 266.
2. Beviláqua, Clóvis, O Direito, Obra Filosófica, Vol. II, p. 45.
3. Cit. Reale, M., p. 256.
4. Lovisollo,
Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, em Moreira, Ildeu de Castro e Videira, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil, p. 242/243. Os principais argumentos da relação entre a) positivismo comteano e autoritarismo no Brasil e b) positivismo comteano, freio ao desenvolvimento de uma ciência aberta e à universidade foram elaboradas por Antônio Paim. Mencionamos na bibliografia apenas um texto que pode ser tomado como sinopse da longa trajetória de publicações sobre o tema; Paim, A., História das Idéias Filosóficas no Brasil. Idem, p. 248.
5. Miranda, Pontes, cit. Moreira, Ildeu de Castro e Videira, Antonio Augusto Passos Org., p. 103.

6. http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3024
7.Kunz, Josef L., La Filosofia del Derecho Latinoamericana en el Siglo XX, p. 42; cit. Reale, M. p. 278.
8. Miranda, Pontes, cit. Moreira, Ildeu de Castro e Videira, Antonio Augusto Passos Org., p. 103.

9.Comte, Augusto e Cardoso, Licínio, cits. idem, p. 124
10. Lodge, Oliver, cit. Macdonald, Fiona, Albert Einstein, p. 7.
11. Moreira, Ildeu de Castro e Videira, Antonio Augusto Passos Org., p. 103.


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