sexta-feira, 30 de maio de 2008

Fontes de Augusto Comte


Em que  fontes poderia Comte recolher as fitas e adereços para enfeitar seu Leviathan "latinizado"? Nem precisava sair de casa; sequer ler em inglês. O patrício Claude Henri de Saint-Simon (1760-1825) vinha com seu barquinho, no embalo das ondas de Helvécio e Rousseau, somadas a Holbach. Antes de escrever Memórias Sobre a Ciência doHomem (1813-1816), Sistema Industrial (1821-1823) e Novo Cristianismo (1825) Claude requisitou os préstimos deste estagiário de incomensurável talento, nosso Auguste Comte, o Pai do Positivismo. Na ocasião era apenas filho. Seu patrão é quem fora pioneiro em se autodenominar Físico Social. Pela Memoire sur la science de l’homme, o mais velho “físico social” afirmava orgulhoso, como Bacon, que seu estudo desprezava conjeturas filosóficas. No afã de tapear, não titubeou se valer da mesma assertiva que animou o carrasco da natureza: “A sociedade não tem por objetivo dominar os homens, mas a Natureza”. (Oeuvres, vol V, 1966, cit. Japiassú, Nascimento e Morte das Ciências Humanas: 114)
Seria mais um mero inescrupuloso? Um bufão? Um mentiroso? Um louco, pelo diagnóstico de Ludwig. von Mises? Talvez "apenas" demagogo? Ou um equivocado pela penumbra do tempo? Como qualificá-lo? Investiguemos melhor a pantomima.
Em matéria de etnologia os conhecimentos de COMTE, reduzidos quase ao livro do Presidente DE BROSSES, Du culte des dieux fétiches, eram muito rudimentares. Mas nem a etnologia nem a psicologia lhe foram favoráveis. Idéias e fatos condenaram o pré-logismo; depois de muitos outros BERGSON, na sua última obra, deu-lhes o golpe de misericórdia. Pe. FRANCA, Leonel S.J. www.permanencia.org.br/revista/filosofia/leonel2.htm
A julgar por seus escritos, a natureza pouco lhe importava, mas não a política, a "ciência da produção." O homem, integrante desta natureza, com ela era esterelizado. Como disse Goytisolo, (p. 61) “pouco a pouco, se substitui a natureza “natural” por uma natureza de laboratório e de fábrica, que o homem conhece “porque é sua obra”.
A pauta de todas as ciências coube a Newton dispor, de acordo como método do patrício Descartes.   “A mecânica de Newton promete um poder de previsão vastíssimo que faz com que um instante forneça todas as informações possíveis sobre o passado e o futuro do Universo.” (Coveney, Peter e Highfield, Roger, p. 24)  A moda, pois, requeria “newtons” em todas as áreas.
 Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual comparava-se o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes. ZOHAR,  D., 2000,: 23.
A sociedade, a massa, também haveria de ser aquela expressão do relógio, em movimento homogêneo, linear, geométrico, euclidiano, cartesiano, exato e hierárquico. Variariam, apenas, intensidades. Todos os fenômenos, no diagnóstico do maior dos cientistas, “deveriam ter também uma explicação racional no sentido da mecânica”. Também uma ordem exata. (Não se imaginava que nem o relógio, por depender da velocidade e da posição geográfica em que se encontra, tem um movimento homogêneo, exato, linear, de compasso constante: as horas, a bordo de um foguete, passam mais devagar. No Equador, o relógio é mais lento do que nos pólos.) O padrão racional de conduta deveria ser pautado pela simples aritmética - o maior bem para o maior número. Quem a isso se opusesse taxava-se egoísta, devendo sofrer a marginalização e o descaso. Mostrava Saint-Simon os males da conduta “explorativa” ao povo, ao tempo em que.a.“moralidade” tornava-se o grande “problema", do legislador, mas o povo, seu objeto, nunca sujeito, era apenas a soma das peças da engrenagem. Mister, pois, um corpo de "sábios calculistas" (de novo Platão!) regentes a regular o funcionamento da estupenda maquinaria do Estado, porque conhecedores das “leis físicas”: “A visão sain-simoniana do futuro, que ajudou a inspirar o socialismo, considerava que a vida política passaria a ser dirigida por peritos – neste caso cientistas e engenheiros.” (Giddens, A.: 111.)
Outros ídolos
Os batedores de Comte eram práticos, pragmáticos da estirpe maquiavélica. Bodenheimer (p. 57 ) cita Thomas Hobbes, assim como Bentham e Austin, mas Sir Francis Bacon (1561-1626), de fato, não pode ser menosprezado:
Segundo a maior parte dos críticos, os Ensaios constituem o retrato mais real de Bacon. Encerram um repositório de conhecimentos teóricos das paixões e da natureza humana, aproximando-se do maquiavelismo. Esse maquiavelismo que se esconde nas entrelinhas das opiniões dos Ensaios, foi uma constante na vida real do autor.
Maquiavel, porém, a todos se antecipou:
O relato recente da filosofia positiva inicia-se com a análise, na segunda metade do século XIX, da reação ao realismo transcendental, especialmente de Hegel; o antigo, porém, recua ao século XV, com a política prática de Nicolau Maquiavel, ao século XVI, com o método experimental de Francis Bacon e ao século XVII, com o materialismo de Thomas Hobbes.  Gusdorf, G.: 163
Até a chegada do tático italiano, a sociedade se compunha em espectro pluralista. Cada agrupamento adotava a resposta jurídica compatível. com suas circusntâncias de EspaçoTempo. O Direito provinha dos cidadãos, diversificando-se na clivagem dos usos e costumes próprios de cada região. Julgadores não se vinculavam a normas superiores, até por que de difícil comunicação. Bastava-lhes o exame de alguns elementos circunstanciais e incidentais, à luz do “direito natural”. As sentenças observavam as características da relatividade intrínseca às partes conflitantes, suas condições. Com Maquiavel, todavia, iniciara o que Bobbio chama de “monopolização da produção jurídica por parte do Estado.” (O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do Direito: 28)
No reino Leviathan, sujeição à racionalidade requer absolutismo. Mister a hierarquia preconizada por Bacon (Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza: 109):
Mas, na verdade, a história natural e experimental é tão variada e ampla que confunde e dispersa o intelecto, se não for estatuída e organizada segundo uma ordem adequada. Por isso devem ser preparadas as tábuas e coordenações das instâncias, dispostas de tal modo que o intelecto com elas possa operar.
E lá se foi Comte operando por conta. Mister ordenar o povo, como rebanho ou exército, ao progresso da ignorância.“No Século XIX os positivistas incidiram em tal erro ao reivindicarem a generalização do método experimental que se aplicava eficazmente nas ciências naturais, para estendê-lo também as ciências humanas.” (Hugon, P.: 128)
Einstein (Popper, K., A Lógica da Pesquisa Científica: 525 ) detonou:
Não me agrada absolutamente a tendência 'positivista' ora em moda (modishe), de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau desejado de precisão e penso que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observação, mas há que ser inventada.
A prova primordial se evidenciara justamente no Brasil, mas por aqui também houve, (e ainda há!?) sérias resistências - um quarto desconhece; outro não acredita; o terceiro presume que não venha ao caso, e ao último, definitivamente, nada disso pode aflorar, sob pena de ficar nú: “O senhor Licínio Cardoso, na primeira fila, tinha o ar de quem, acompanhando a exposição feita, contrapunha mentalmente aos princípios da mecânica einsteniana os dogmas de Augusto Comte.” (Moreira, Ildeu de Castro e Videira, Antonio Augusto Passos Org., Einstein e o Brasil: 124.)
Ora pesquisadores europeus se debatem pela reversão:
Do lado da sociologia, sabe-se que mesmo um autor como Luhmann acabou por se ver compelido a introduzir uma mudança radical no paradigma das relações entre a pessoa e o sistema social. Deixando de ser categorizada como mero ambiente do sistema social, a pessoa passa a valer, também ela própria, como sistema. Um sistema social, a figurar como seu (da pessoa) ambiente. A pessoa vê-se, assim, chamada - e legitimada - a desafiar permanentemente o sistema social, como fonte de “contingência”, "irritação”, mesmo desordem. De acordo com o “novo paradigma luhmanniano”, “na construção de sistemas sociais, a complexidade opaca dos sistemas pessoais aparece como indeterminabilidade e contingência, não sobrando para o sistema social outra alternativa que não seja “interiorizar a complexidade” irredutível, emergente da pessoa. O que bem justificara a pretensão de apresentar a nova teoria de Soziale Systeme (1984) como uma Zwang zur Autonomie. (Andrade, M. C.: 26)
No país de Morin, Bachelard, Gèny, Serres, Sorman, Chardin, d’Estaign e da Estrêla da Tolerância, a Sorbonne não rebentou o busto de Comte, como fez a Rússia com o de Marx; sintomaticamente, porém, ela o deslocou:
Durante dez dias recarreguei as baterias em Paris, no Quartier Latin, que freqüento há quase 50 anos. A não ser a mudança do monumento a Augusto Comte da frente da Sorbonne para sua direita, desobstruindo a visão da fachada da Universidade, não noto qualquer mudança notável.
Gomes, Flavio Alcaraz, Paris, Correio do Povo, 15/6/1997: 4

A natureza e a ciência evoluem assim, diversificadas e descentralizadas:
“Se os seres humanos houvessem de inspirar-se nos exemplos da Natureza, fazendo deles normas de conduta, a anarquia, a independência, o individualismo e o princípio do menor esforço passariam a ser os ideais humanos” (Garbedian, H. G., p. 161)
Se até o Universo está em expansão, porque nosso conhecimento não?


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quinta-feira, 29 de maio de 2008

Jehan Bodin e o direito divino

Então veio, parece, um sábio astuto,
o primeiro inventor do medo aos deuses...
Forjou um conto, altamente sedutora doutrina, 
em que a verdade se ocultava sob os véus de mendaz sabedoria. 
Disse onde moram os terríveis deuses das alturas, 
em cúpulas gigantes, de onde ruge o trovão,
e aterradores relâmpagos do raio aos olhos cegam. 
Cingiu assim os homens com seus atilhos de pavor
rodeando-os de deuses em esplêndidos sólios, 
encantou-os com seus feitiços, e os intimidou –
e a desordem mudou-se em lei e ordem. 
Crítias¹

A hierarquia foi mesmo presente grego ao Império Romano, e ao seu desdobramento clerical³.  Por ela se organizam o governo eclesiástico e o civil, os impérios, a cúria e os exércitos. Não por coincidência, de Roma partiu o trem:
A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país. Toynbee, Arnold J.,: 196.
Esparta assim era, mas não Atenas:
Por sua doutrina da similaridade entre Esparta e o estado perfeito, tornou-se Platão um dos propagandistas de maior sucesso do que eu gostaria de chamar ‘o Grande Mito de Esparta’, o perene e influente mito da supremacia da constituição e do modo de vida espartanos. Popper, Karl, 1998, Tomo I, p. 54
Ao prodigioso meio de vida, o Estado pertinente só poderia ser forte, centralizado:“ A responsabilidade absoluta do soberano exige e pressupõe a dominação absoluta de todos os sujeitos.” (BODIN, Jehan, cit. Chevallier, Jean Jacques, p. 56)  Pois este advogado, Jehan Bodin (1530/1596),5 nasceu a tempo de ser cognominado “pai” do governo absoluto. Na respeitável observação do senador italiano Norberto Bobbio, (A Teoria das Formas de Govêrno: 95) ele é mais relevante do que Althusius e até do quase contemporâneo Maquiavel: “A obra mais importante do período de formações dos grandes Estados territoriais é De La Republique, de Jean Bodin.”
Bodin (République, 1576; cit. Perelman, C.: 325) sentenciava: “É necessário que os soberanos não estejam, de forma alguma, sujeitos às ordens de outrem e que possam dar leis aos súditos, quebrando ou aniquilando as leis inúteis para fazer outras.”
O ordenamento de outrora, quase toda lastreado nas formulações de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino, se esvaiam execrados, pisoteadas.Tornavam-se, pois, inúteis. Eis a razão do “despreendimento”, o divino motivo de Jehan Bodin: "A partir de 1571 passou a servir o Duque de Alençon, mais tarde Duque de Anjou, irmão do futuro rei de França Henrique III." http://farolpolitico.blogspot.com/2006/12/jean-bodin.html
Estamos explicados?
* * *
Johannnes Althusius (1557-1638)
4 entrou na onda:

Assim como o navio não é mais do que madeira, sem forma de embarcação, quando lhe tiramos a quilha, que sustenta o costado, a proa, a popa e o convés, também a República, sem um poder soberano que una todos os seus membros e partes, e todos os lares e colégios, num só corpo, não é mais República. (Chevallier, Tomo I: 316)
Ética, se havia alguma, tornou-se envolta na interessante mística:

Mesmo os ateus estão de acordo acerca de que não há coisa que mais mantenha os Estados e as Repúblicas do que a religião, e que esse é o principal fundamento do poderio dos monarcas, da execução das leis, da obediência aos súditos, da reverência dos magistrados, do temor de proceder mal e da amizade mútua para com cada qual; cumpre tomar todo o cuidado para que uma coisa tão sagrada não seja desprezada ou posta em dúvida por disputas; pois deste ponto depende a ruína das Repúblicas. Bodin, Jehan, cit. idem: 55
As comunicações eram precaríssimas, bem o sabemos; as regiões, distantes; os acessos, dificultados; as noites, negras; do inverno europeu, conhecemos sua impiedade; e iluministas contavam-se nas mãos. O esforço empregado para esclarecer todo aquele povo, tão distantemente espalhado pelos campos do imenso país, precisava igual fôlego. A Igreja tinha interesse direto no enfeixar das ovelhas. Liberalismo lembrava protestantismo; merecia a condenação:

À medida em que as nações começaram a se formar, no fim da Idade Média, o ataque contra a descentralização começou a ser dirigido não apenas pelos monarcas e ditadores que criaram nações altamente organizadas, como a França dos Bourbons e a Inglaterra de Cromwell, mas também pela Igreja e especialmente pelas ordens monásticas mais poderosas, que em suas sedes estabeleciam regras de comportamento uniformes e uma contabilidade rígida sobre os atos dos seres humanos que antecipava o ataque iminente às liberdades e à independência regionais e, na prática, determinava o sistema de ajuda mútua. (Woodkock, G.: 57)
Na fresta surgiu a cabeça de ponte positivista:

Vê-se como, ao transferir para a vontade geral as funções cumpridas anteriormente pela vontade divina (vox populi vox Dei) o positivismo jurídico veio a fundamentar toda a regra jurídica positiva no poder legislativo do Estado e na sanção, que garante a obediência à lei. Recusando qualquer outro fundamento do direito, o positivismo jurídico negou a existência a de um direito que não fosse a expressão da vontade do soberano. (Perelman, C., : 395)
A democracia liberal esvazia o poder; per se, é incompatível com aventuras megalomaníacas: “Como conseqüência natural, foram promulgadas leis restritivas sobre o laissez-faire em todos os países e por partidos que professavam filosofias diferentes.” (Polanyi, Karl, The Great Transformation, 1944, p. 145; cit. Sabine, G., p. 682.)  O Direito Natural virou desprezo natural:

Depois das críticas conjuntas das correntes utilitaristas no Reino Unido, historicistas na Alemanha e positivistas na França, o jusnaturalismo perdeu seu prestígio como teoria da moral e foi quase completamente abandonado, salvo por algum reacionário retardatado. (Bobbio, Norberto, Locke e o Direito Natural: 62)
Sempre lúcido, o ex-senador italiano complementa:

Com o declínio dos limites à ação do Estado, cujos fundamentos éticos haviam sido encontrados pela tradição jusnaturalista na prioridade axiológica do indivíduo com respeito ao grupo, e na consequente afirmação dos direitos naturais do indivíduo, o Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência extrema do Estado total (total exatamente porque não deixa espaço algum fora de si.). (Bobbio, N., Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política: 25)
A população costuma acreditar na certeza e nos altos desígnios dos tais “descobridores das leis”, especialmente se forem novos profetas. Organizado no racionalismo de integração, “à sua própria segurança e eficiência”, o homem apeia de sua própria verdade, cedendo-a ao condottieri de plantão:

O que a ciência faz é precisamente mascarar, por detrás da racionalidade, sua função ideológica de justificar o poder, deformar o irracionalismo das relações humanas e dissimular a heteronomia dessas mesmas relações. A racionalidade, como ideologia, ocasiona uma cegueira parcial da inteligência humana, entorpecida pela propaganda dos que a forjam. (Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 340)
Para impor a ideologia, o direito positivo precisa solapar direitos individuais:

Racionalização significa a transformação do mundo dominante em nome de um plano racional: a organização construída sobre um método e uma seleção racionais, que é totalmente onipotente (...) Sabemos por experiência (...) que o totalitário não é propício à tolerância. (Gallas, Z StW, 1963, cit. Andrade, Manuel da Costa: 27)
A ameaça conduz as ovelhas diretamente à boca do lôbo: “Ser tolerante seria mais perigoso que ser severo ou cruel, pois as consequências de qualquer complacência derramaria mais sangue e seriam mais devastadoras que a severidade momentânea”. (Koselleck, R.: 22)
A França por muito tempo ficou enredada na mistificação, uma doutrina que de tão pobre e falsa, só poderia ser imposta a
manu militaire: A França inaugurou o placar com a presença do célebre Cardeal de Richelieu, (1585 - 1642) primeiro-ministro de Luís X III de 1628 a 1642, inaugurou o placar ao receber preciso passe florentino: por causa do passe florentino aséçp pass. r; Eis o notável arquiteto do absolutismo na França e alhures, mantendo a liderança francesa sobre a Europa. “Em 1641, Richelieu encomenda ao cônego Machon uma Apologia de Maquiavel.” (CHEVALLIER, Tomo I: 55: 454)
É preciso que o Estado governe em acordo com as regras de ordem essencial', diz Mercier de la Rivière, 'e então deve ser todo-poderoso'. Segundo os economistas, o Estado não deve unicamente comandar a nação, também deve formá-la de uma certa maneira; cabe-lhe moldar o próprio espírito dos cidadãos, enchê-lo com certas idéias e fornecer ao seu coração certos sentimentos que julga necessário. Na realidade, não existem limites aos seus direitos nem ao que pode fazer; não reforma simplesmente os homens, quer transformá-los; talvez, se o quisesse, poderia fabricar outros! 'O Estado faz dos homens tudo o que quer', diz Bodeau. Esta frase resume todas suas teorias.
TOCQUEVILLE, A. O Antigo Regime e a Revolução: 157
__________
Notas
1. Crítias, tio de Platão e líder dos Trinta Tiranos em Atenas após a guerra do Peloponeso, cit. Popper, Karl M., 1998, Tomo I, p. 158.
2. Hierarquia: soma de hieros, sagrado, mais arkhia, regra, ordem, provavelmente oriunda da figura geométrica do arco.
3. Clero: de klero, grego, significando terras produtivas. Pipes, R., p. 127.
4. Althusius, Johannnes, criador do método qualificado como "genético"; considerava a família como última instância, desprezando o interesse do indivíduo, porque submisso à causa maior.
5. Jehan Bodin é considerado por muitos o pai da Ciência Política devido a sua teoria sobre soberania. Baseou-se nesta mesma teoria para afirmar a legitimação do poder do homem sobre a mulher e da monarquia sobre a gereontocracia. As idéias de Bodin retratam o que foi o Estado Absolutista no ancien régime da França:
um Estado onde se considerava o poder do monarca como absoluto e de origem divina (teoria do "direito divino dos reis"); onde a propriedade privada era inviolável segundo os princípios do direito civil romano (jus), contando com forte apoio por parte da burguesia mercantil. A idéia de poder absoluto de Bodin está ligada à sua crença na necessidade de concentrar o poder totalmente nas mãos do governante; o poder soberano só existe quando o povo se despoja do seu poder soberano e o transfere inteiramente ao governante. Para esse autor, o poder conferido ao soberano é o reflexo do poder divino, e, assim, os súditos devem obediência ao seu soberano. Wipédia

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quarta-feira, 28 de maio de 2008

O perene Thomas Hobbes

O culto do Leviathan é uma enormidade moral, (no sentido de um grande absurdo ou de uma anomalia moral) mesmo em sua forma mais nobre ou suave.1

A tradição de Hobbes nunca concebia a imaginação como força criadora. Para Hobbes a mente humana, como o universo, é uma simples máquina, e de uma máquina não cabe esperar nenhuma criação.2
Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus. (A.R. Wallace & R.Young, Sciences studies, 1971: 184; cit. Japiassú, 1978: 56) 
"Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglêsa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico." (COBRA, Rubem Q., Thomas Hobbes, Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997.) 
A civilização vista por Hobbes era a mesma massa ignorante:
Nas sociedades dos irracionais (das abelhas, formigas, térmitas, etc.) a defesa da espécie parece ser o objeto soberano. Desinteressada e indiferente, mantém-se a comunidade, ante a sorte individual de seus componentes. Em verdade, nesses agrupamentos, os indivíduos são apenas partes de um todo e, em conseqüências, integralmente submetidos aos interesses da sociedade global. (Telles Jr., Goffredo, O Direito Quântico, p. 255.)
Thomas não conheceu Marilyn: “Uma formiga submete-se a seu destino; um ser humano modela o seu.” (Ferguson, M.:160)
Poder-se-ia aproveitar algo se o precursor do descalabro fosse menos dogmático na confirmação da ciência pelo poder totalitário, onde procurou misturar o conhecimento com seus próprios interesses, e neste ponto há uma concordância geral, de Tom Paine a Jacques Mourgon. (La science du pouvoir totaliteire dans le Leviathan de Hobbes:281) O receio, todavia, sempre apontou para o único horizonte:
A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos próprios comuneiros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (...) Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes - com toda reverência - daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. HOBBES, T, The Leviathan, cap. 17.
A indivisibilidade do poder soberano é uma das idéias fixas de Hobbes; e, de resto, era esse um dos fundamentos da doutrina política do primeiro e mais célebre teórico do absolutismo, bastante conhecido de Hobbes, ou seja, Jean Bodin.  Brett, R. L.: 29 
Ao que contrapos J. Locke:
Do momento em que se supõe que se detenha em si todo o poder, tanto o legislativo como o executivo, não se pode encontrar nenhum juiz, nem é possível qualquer apelo que decida, com eqüidade, imparcialmente, e com autoridade e cuja intervenção se possa esperar socorro e reparo das ofensas e danos causados pelo príncipe, ou por ordem sua. LOCKE, John, cit. BOBBIO,N., Locke e o Direito Natural:219
“A última conseqüência lógica da filosofia de Hobbes é o absolutismo estatal, a ditadura entronizada como lei suprema.” (Rohden, H.: 54)
"A filosofia política de Hobbes culmina na conclusão de que might is right - poder é direito, sendo o Governo suprema norma ética, não havendo ética contrária a ele. O chefe de governo paira acima do bem e do mal."  (ROHDEN, H. Filosofia Contemporânea: 53)
Carl Schmitt (cit. Prelot, Marcel, vol II: 266) não deixa por menos: Hobbes foi, claramente, precursor do totalitarismo. O estereotipado secretário inglês se liga diretamente com Maquiavel, Vico, e Sorel - este ídolo e mentor intelectual de Mussolini. "Toda a política dos filósofos se resume em por a onipotência do Estado ao serviço da infalibilidade da razão, a fazer da razão da razão pura uma nova razão de Estado." (SOREL, Alberto, L'Europe et la Revolution Française, T.I, Cap.II, cit. em PRELOT, Marcel, Vol. II: 293)
Joseph Viatoux Prelot, Marcel, vol II:p. 263) confirma e acrescenta: "A doutrina do Estado de Hobbes é a mesma doutrina do Estado totalitário contemporâneo.” Hobbes contribuiu à cruel Revolução Francesa através do retransmissor: “O De Corpore Político e o De Cive contém uma imensa quantidade de conceitos políticos em que se inspiraram, mais ou menos confessadamente (antes menos do que mais) tantos autores que se seguiram, a começar por Rousseau.” (Davy, G., L'anne sociológique, p. 169; cit. Prelot, Marcel, vol II, p. 266) Daí a Hegel foi apenas um passo ao lado. Ao duo perverso o indivíduo naturalmente deve se anular, alienar-se no ideal supremo da igualdade radical, peões ao diletante:
O único meio para isso é que todos consintam em renunciar a seu próprio poder e em transferi-lo para uma única pessoa (uma pessoa física ou jurídica, como por exemplo uma assembléia), que, a partir de então, terá o poder suficiente para impedir o indivíduo exerça seu próprio poder em detrimento dos outros. Bobbio, N., Thomas Hobbes: 41.
A presença de Shaftesbury
“A historiografia hobbesiana foi descobrindo conexões cada vez mais estreitas entre sua concepção materialista e mecanicista do mundo e o nascimento-crescimento-triunfo da ciência moderna.” (Bobbio, N., idem,: 186)
Na sua pátria, contudo, Thomas Hobbes foi logo desmascarado: “Como se comentou recentemente, Hobbes foi a ovelha negra da sociedade inglêsa do seu tempo, assim como Maquiavel, no século precedente.” (Bobbio, N., Locke e o Direito Natural:165)
Por esta época (1666) Locke tornava-se médico de Anthony Ashley Cooper (1621-1683), o qual acabou por lhe atribuir a função de assessor-conselheiro. En passant, milhares conhecem Locke. Poucos sabem desse Lord Ashley, deslize histórico, injustiça intelectual. Provavelmente Ashley possuia mais capacidade, mais conhecimento e, pode-se afirmar, trabalhava com menor incidência empírica do que o próprio Locke (Dois tratados sobre o governo: 37):
“Devemos os Dois Tratados ao prodigioso conhecimento das questões de Estado adquirido por Locke no curso de seus frequentes diálogos com o primeiro conde de Shaftesbury."
Seis anos após Locke ter começado a lhe prestar serviços, Ashley ganhou este título honorífico, tornando-se Presidente do Conselho de Colonização e Comércio da Royal Society.
Shaftesbury discordava do grande Newton, algo que nem Locke ousou. Sua intuição, porém, era forte. Estava, de fato, mais perto da verdade. Einstein e principalmente Max Planck, trezentos anos depois, dariam completa razão a essas suas precoces observações:
Newton é um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo... há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema.  (Shaftesbury, carta a Thomas Poole, cit. Brett, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 109)
R. L. Brett (idem, p. 32) se reporta a outras peculiaridades da rica percepção do “padrinho” de Locke:
Shaftesbury se deu conta que as doutrinas de Hobbes solapavam toda a interpretação espiritual do universo e convertiam a moral em simples conveniência. Se deu conta, também, que estas doutrinas e outras parecidas destruíam os estímulos da arte e as grandes obras artísticas da humanidade. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.
O paradigma fez-se no grande diferencial. Por paradoxo e coincidência, na terra de Newton havia esta resistência ao mecanicismo cientificista: “Na Grã-Bretanha, contudo, em particular no final do século XVII, a metáfora do relógio foi tratada com muito mais ambivalência do que no continente. O relógio sempre apareceu ali como uma metáfora de arregimentação e compulsão irracional.” (Henry, John, p. 100)
Em 1671, Henry Stubbe (cit. Schwartz, Joseph, p. 44.) disparou contra o pragmatismo baconiano, o maior associado de Hobbes, apontando seu “desrespeito às antigas jurisdições eclesiásticas e civis, ao antigo govêrno, bem como aos governadores do reino”.
Assim a grande ilha escapuliu do fetiche: "Montesquieu dizia que os ingleses eram o povo mais livre do mundo porque limitavam o poder do rei pela lei." (Pipes, Richard: 151)
Os anglo-saxões apearam da limitada, tosca, perniciosa, antiecológica e antieconômica montaria do Leviathan para ascender pelo balão mágico da Revolução Gloriosa. E o mundo começava a tomar conhecimento que poderia viver sob a égide democrática dividindo o poder, desde o núcleo até a extremidade, onde vive o cidadão:
"A democracia inglesa é a única democracia moderna que combina o sentido de independência e excelência com o impulso da classe média em direção à liberdade de consciência e à responsabilidade pessoal." (Barbu, Zevedei, apresentação de Tocqueville, A., O Antigo Regime e a Revolução: 17)
-
Dos tempos modernos
Contudo e infelizmente, malgrado o flamante momento ser lavrado já há mais de tres séculos, The Leviathan mantém uma perene atualidade, especialmente no mundo latino.
Napoleão, Bismarck, Lenin, Hitler, Mussolini, Salazar, Franco, Roosevelt, Tito, Mao, e Getúlio Vargas, entre nosotros, macaquitos brasileños, estrelaram ótimas performances, e obtiveram muitos filhotes.
O Estado transcende a vida pública e abarca as mais diversas manifestações de atividade social: a vida familiar, econômica, intelectual, religiosa, etc. Sua indiscrição é completa. Penetra no interior das famílias e das empresas; desce até ao segredo das consciências; julga as intenções e abstenções; retira todo o sentimento ao qualitativo privado e arrasa alegremente o famoso 'muro' simbólico tão penosamente edificado pelo direito do século XX. Sendo controlador o Estado torna-se o único motor social. Dirige o trabalho, mas ocupa-se também dos tempos após o trabalho - dopo lavoro: proíbe certos espetáculos e incita a que assistam outros; são criadas colônia de férias para as crianças e viagens de núpcias para jovens casais; ordena que usem chapéu de palha e que desçam a bainha dos vestidos. Opõe a autonomia do indivíduo liberal, que ele julga irrisória às vantagens da poderosa solidariedade orgânica que ele realiza. Não se limita a enquadrar e apoiar a nação, confunde-se com ela. MUSSOLINI, Benito, Lo Estato Corporativo.
Durante o auge nazista Carl Schmitt (cit. Bobbio, N., Thomas Hobbes: 188) saudava a estupenda máquina, a machina machinarum, “a interpretação do Estado em termos mecanicistas nos quais se reflete a gradual tecnização do aparelho estatal, característica do Estado burocrático moderno.”
De nação em nação, de continente a continente, as trágicas conseqüências foram gradualmente ampliadas, atingindo o ápice da performance há meio século, também o começo de seu declínio, que nunca acaba, para levar de roldão numerosos adeptos, ideólogos, interesseiros, oportunistas líderes políticos e inocentes povos, embarcados em inúmeras estações, rumo ao precipício da estupidez.
Mientras continúa el fértil debate para dilucidar los entuertos propios del 'síndrome de Hobbes' en relación a los bienes públicos, los free-riders, las externalidades, el dilema del prisionero, las confusiones en torno a la 'tragedia de los anticomunes' y, en el contexto de la asimetría de la información, la selección adversa y el riesgo moral, mientras esto tiene lugar decimos, es menester buscar sa17lidas al atolladero en el que estamos si no queremos correr el riesgo de que todo termine abruptamente en el Gulag. Alberto Benegas Lynch, 17/2/2011
Como disse James Buchanan (cit. Klaus, Václav, Ministro das Finanças da Tcheco-Eslováquia de 1991), “o socialismo está morto, mas Leviathan ainda vive”. O monstro ama o Brasil, também.
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. PIPES, R.:251
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Notas
1. Toynbee, Arnold J., Estudos de História Contemporânea - A civilização posta à prova, p. 219.
2. Bobbio, N., Thomas Hobbes, p. 72.


terça-feira, 27 de maio de 2008

A dialética de Thomas Hobbes

O medo foi a única paixão da minha vida. Thomas Hobbes
Hobbes exigia a onipresença salvadora do soberano, com  seu Estado, montado e mostrado como uma engenharia perfeitamente organizada, apta a alimentar e socorrer o indivíduo diante da natureza perversa do seu semelhante. “É como um gigante constituído de homens comuns, um Leviathan. É maior e mais poderoso do que o homem e, por conseguinte, é como um deus, embora compartilhe com os homens comuns a mortalidade.”(2)
The Leviathan é “uma espécie de crocodilo, dragão, baleia ou serpente marinha”.(1) O título foi plagiado na Bíblia, de Jó (41:1) e dos Salmos (74:14, 104:26). A capa original traz desenho do monstro coberto por uma multidão de indivíduos microscópicos grudados como sanguessuga no corpo do boi.
POR DOIS MIL ANOS os governantes utilizaram as forças extra-terrenas para controlar populações.
Mesmo os ateus estão de acordo acerca de que não há coisa que mais mantenha os Estados e as Repúblicas do que a religião, e que esse é o principal fundamento do poderio dos monarcas, da execução das leis, da obediência aos súditos, da reverência dos magistrados, do temor de proceder mal e da amizade mútua para com cada qual; cumpre tomar todo o cuidado para que uma coisa tão sagrada não seja desprezada ou posta em dúvida por disputas; pois deste ponto depende a ruína das Repúblicas. BODIN, Jean, cit. CHEVALIER, Jean Jacques: 55
A astronomia, contudo, colocava em xeque tamanha abstração. Mister algo palpável, pelo menos de ser medido.  Foi o próprio Galileu quem incitou os eclesiásticos a estabelecerem a matemática como instrumento hegemônico, divino porque meio utilizado pelo Grande Arquiteto do Universo. Com isso o célebre renascentista logrou escapar do destino lavrado ao precursor Giordano Bruno: 
Com as funções em 1623 de um novo Papa Urbano VIII, seu amigo pessoal e um espírito mais progressivo e interessado nas ciências do que o seu predecessor, publicou nesse mesmo ano Il Saggiatore (O Analisador), dedicado ao novo Papa, para combater a física aristotélica e estabelecer a matemática como fundamento das ciências exatas.
Hobbes contrabandeou a solução:
No modelo proposto por Descartes e seguido pelo criador do Estado Leviathan, a geometria era a única ciência que Deus houve por bem até hoje conceder à humanidade. Retomava-se Galileu, para que a língua da natureza era a matemática. O pensamento moderno é assim marcado por este ritual do pensamento a que logo se opôs Pascal com o chamado esprit de finesse. A matematização do universo desenvolve-se com Newton e atinge as suas culminâncias em Comte. Respublica, JAM 
Tudo veio mesmo inspirado nos pregadores católicos da Idade Média, mormente quando Aurelius Augustinos * valorizou o sino daquele pecado original e da essencial maldade do homem enquanto habitante da Terra:“A afirmação mitológica da maldade inata na natureza humana encontra-se, como se sabe, na Bíblia. Ela está explicitada no episódio de Caim e Abel, como corolário da tese do Pecado Original; e foi filosoficamente elaborada por Santo Agostinho.” (3)
Se Deus havia falhado, a Terra podia contar com uma força maior, objetiva:
Está escrito que Caim fundou uma comunidade; mas Abel não fez o mesmo, fiel ao seu caráter peregrino e de hóspede temporário. É que a Comunidade dos Santos não é deste mundo, embora aqui tenha dado origem a cidadãos através dos quais se realiza sua peregrinação até que chegue o tempo de seu reino, quando todos se congregarão (4)
Até partirmos, mister a presença do grande protetor terreno. O bendito paladino tem permissão, e até a obrigação, de penetrar pelas veias sociais a orientar, defender, prover e congregar.
O conceito espiritual do reino de Deus degenerou numa instituição eclesiástica, jurídica, política, militar, financeira que, substituindo a força do espírito pelo espírito da força, fez da Civitas Dei uma Civitas Terrena, com o agravante que esta cidade terrena é acintosamente proclamada como sendo a cidade de Deus. (8)
Portando o alvará, ele se refastela. Sacia a volúpia não do Estado, posto desprovido de índole,  mas de seu jockey, ao arrepio do paciente:
Recordem o esquema do Leviatã: enquanto homem construído, não é outra coisa senão a coagulação de um certo número de individualidades separadas, unidas por um conjunto de elementos constitutivos do Estado; mas no coração do Estado, ou melhor, em sua cabeça, existe algo que o constitui como tal e este algo é a soberania, que Hobbes diz ser precisamente a alma do Leviatã. (5)
Esta alma nada tem de boa:
Após ter então agarrado cada membro da comunidade e tê-los moldado conforme a sua vontade, o poder supremo estende seus braços por sobre toda a comunidade. Ele cobre a superfície da sociedade com uma teia de normas complicadas, diminutas e uniformes, através das quais as mentes mais brilhantes e as personalidades mais fortes não podem penetrar, para sobressaírem no meio da multidão. A vontade do homem não é destruída, mas amolecida, dobrada, guiada; os homens raramente são forçados a agir, mas constantemente impedidos de atuar; tal poder não destrói, mas previne a existência; ele não tiraniza, mas comprime, enerva, ofusca e estupefaz um povo, até que cada nação seja reduzida a nada além de um rebanho de animais tímidos e trabalhadores, cujo pastor é o govêrno. SMITH, A., cit. jornal Pioneiro, Caxias do Sul, 17 /10/1996
A história é farta, mas se resume num fato: tudo isso não passa de estória para tomar dinheiro do pato. Mesmo desconhecendo a maravilha, Einstein rechaçou a premissa de Hobbes:
É nisso que aqueles que se empenham em melhorar a sorte do homem podem fundar suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, em razão de sua constituição biológica, a aniquilar uns aos outros ou ficar a mercê de um destino cruel que eles mesmos se afligem. (6)
Einstein, entretanto, sequer estava nos planos; e nem Locke.  Cromwell estava. Ungido na sagração indireta, pelo Parliament, na qualidade de membro, aí obteve seu maior triunfo, do qual soube dispor o demagogo deputado para assumir o total poder inglês. O governante absoluto agora poderia ser escolhido pelo próprio povo, diferentemente da linha eletiva por hereditariedade real sugerida por Maquiavel, Boussuet e Bodin, embora até então propugnasse o filósofo do medo pela soberania real. O direito divino sentenciava à morte: “Uma cabeça de rei cortada: espantoso sacrilégio que pudera ser cometido sem que o fogo do Céu aniquilasse imediatamente os culpados!” (7)
Ao criador do Leviathan o importante não era despir o rei, para colocar outro em seu lugar, mas compor um certo "contrato social" no qual o indivíduo cedia ao Estado o poder de decidir sobre sua vida, em troca da segurança, da sobrevivência proporcionada por todos em conjunto:
O essencial para Hobbes não era a desmistificacão do poder, mas antes a representação da ordem política como um gigantesco autômata, que autorizaria a intervenção de técnicos qualificados. Governantes sensatos, inspirados pela razão científica, poderiam modificar o curso da vida social num sentido favorável a maioria dos interessados. BASTOS, Wilson de Lima; 173
No descortíneo da  Renascença, havia sobradas razões para se resignarem com o pressuposto de que o estado natural do homem seria a guerra de todos contra todos. Isso poderia ser imediatamente bloqueado ou abandonado, no status civilis, ordem e obediência incondicional ao Estado. Foi com essa bandeira que Hobbes acabou influenciando, não só o imediato inglês, como até os continentais, e alhures. A geração seguinte atirou a garrafa do gênio ao mar; na costa francesa Rousseau lhe cataria para destampá-lo, ensejando um “Cromwell” bem mais faminto - Napoleão Bonaparte. G. Davy corrobora-nos: “O De Corpore Político e o De Cive contém uma imensa quantidade de conceitos políticos em que se inspiraram, mais ou menos confessadamente (antes menos do que mais) tantos autores que se seguiram, a começar por Rousseau.” (9)
Para o duo perverso o indivíduo naturalmente deve se anular, alienar-se no ideal supremo da igualdade radical, peões ao diletante:
O único meio para isso é que todos consintam em renunciar a seu próprio poder e em transferi-lo para uma única pessoa (uma pessoa física ou jurídica, como por exemplo uma assembléia), que, a partir de então, terá o poder suficiente para impedir o indivíduo exerça seu próprio poder em detrimento dos outros. (10)
Lenin, Stálin, Hitler, Mussolini, Getúlio, e os estelionatários do Plano Cruzado agradecem a compreensão.
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Aprecie:
O liame de Thomas Hobbes
A má temática de Thomas Hobbes
O grave dano social cartesiano
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Notas
*Nome original de Santo Agostinho.
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1. Penna, J. Meira, O Espírito das Revoluções, p. 83
2. Russel, Bertrand, 2001, p. 276
3. Penna, O.M., O espírito das revoluções, p. 83.
4. Santo Agostinho: De Civitae Dei, Livro XV, cap. I.
5. Hobbes, T., cit. Foucault, Michel, Microfísica do Poder, p. 183.
6. Einstein, A., Escritos da maturidade: artigos sobre ciência, educação, relações sociais, racismo, ciências sociais e religião, p. 133.
7. Hobbes, Thomas, cit. Chevalier, Jean-Jacques, As grandes obras políticas de Maquivel a nossos dias, 2 edição, 1966, p. 60
8. Rohden, Huberto, Filosofia Contemporânea, p.28
9. Davy, G., L'anne sociológique, p. 169; cit. Prelot, Marcel, vol II, p. 266.
10.Bobbio, N., Thomas Hobbes, p. 41.


segunda-feira, 26 de maio de 2008

O liame de Thomas Hobbes


A indivisibilidade do poder soberano é uma das idéias fixas de Hobbes; e, de resto, era esse um dos fundamentos da doutrina política do primeiro e mais célebre teórico do absolutismo, bastante conhecido de Hobbes, ou seja, Jean Bodin. ¹
J. Bodin (1530/1596) é cognominado “pai” do governo absoluto: De La Republique, (2) coincidiu com o perìodo de formacao dos estados com seus territórios, Sua lógica se arvorava teológica,. O fito justificava a indivisibilidade(3), mesmo fundamento do vizinho Hobbes, do patrício Rousseau e de sua criação prática, Napoleão. Em seguida, bem serviu ao filósofo da catástrofe, Hegel, e seus exterminadores - Lenin, Stálin, Hitler e Mussolini. Dividir o poder seria dissolvê-lo. E assim coesos, hipnotizados, nazistas e soviéticos se atiraram à miragem, mesmo sem nenhuma dinastia a encantá-los, exceto a utopia impregnada: “A responsabilidade absoluta do soberano exige e pressupõe a dominação absoluta de todos os sujeitos.” (4) -É necessário que os soberanos não estejam, de forma alguma, sujeitos às ordens de outrem e que possam dar leis aos súditos, quebrando ou aniquilando as leis inúteis para fazer outras. (5)-
.O divino
Oliver Cromwell (Huntingdon, 25 de Abril de 1599Westminster, 3 de Setembro1658) foi um político e usurpador do trono britânico. Adquirindo o título de Lorde Protector no seguimento do derrube da monarquia britânica, ele governou a Inglaterra, Escócia e Irlanda de 16 de Dezembro de 1653 até à sua morte, a qual se crê ter sido causada por malária ou por envenenamento.
Nos trinta anos de reinado católico dos sucessores Charles II e Jaime II invocou-se a autoridade religiosa para a imposição dos respectivos desmandos, mas coube ao puritano Cromwell, bem armado por Hobbes, impor a doutrina de Bodin e Boussuet:
“Afirmando que a autoridade provinha de Deus, ele restabeleceu o que praticamente equivalia ao direito divino dos reis.” (6)
Além de Deus, portanto excedendo a Verdade, o simples capricho real já determinava a obediência incondicional:
Autorictas, non veritas, facit legem.” (7)
O individualismo benevolente e confiante do internacionalista Hugo Grotius diluia-se no pessimismo dito realista de Hobbes:
“Retirem seja de que Estado for a obediência (e conseqüentemente a concórdia do povo) e ele não só não florescerá, como a curto prazo será dissolvido. E aqueles que empreendem reformar o Estado pela desobediência verão que assim o destróem.” (8)
Para melhor aquilatarmos a preponderante mediocridade que comandou o raciocínio de Thomas Hobbes, vejamos a seqüência do seu pensamento pelo detalhista Prelot:
A essência da natureza humana é o egoísmo e não a necessidade altruísta da vida em comum. Quando o homem procura a comunidade, não o faz a fim de conseguir a sua realização pessoal, ou, como pensava o fundador da Escola, em virtude de uma tendência natural que o faz procurar seus semelhantes, mas unicamente com vista ao seu próprio interesse nasce do temor mútuo que existe entre os homens, e não da boa vontade mútua. (9)
Não é o que pensa o notável neurocientista chileno H. Maturana, por exemplo:
“A constituição biológica humana é a de um ser que vive no cooperar e compartir, de modo que a perda da convivência social traz consigo doença e sofrimento.” (10)
Giddens também desfaz a confusão de Hobbes:
“No entanto, o egoísmo deveria ser distinguido do individualismo, que nem brota dele, nem (necessariamente) leva a ele.” (11)
Tanto para o novo maquinista do Estadomonstro, como para Maquiavel no século anterior, o povo deveria conceder tudo ao soberano, o representante do céu, em troca da segurança. Toynbee não perdoa o absurdo:
Em termos religiosos, este tratamento do indivíduo, considerado simplesmente como parte da comunidade, é uma negação da relação pessoal entre a alma e Deus e uma substituição do culto de deus por um culto da comunidade humana - o Leviathan, isto é, a repulsa ao isolamento que está onde não devia estar. O culto do Leviathan é uma enormidade moral, (no sentido de um grande absurdo ou de uma anomalia moral) mesmo em sua forma mais nobre ou suave. (12)
The Leviathan (presumia-se) só poderia realizar o bem à nação, “a razão em ato”. (13)
Carl Schmitt, no auge nazista, apreciava esta estupenda máquina, a machina machinarum, “a interpretação do Estado em termos mecanicistas nos quais se reflete a gradual tecnização do aparelho estatal, característica do Estado burocrático moderno.” (14)
Dessa incrustração metida a racional também saiu a cola do “cientismo marxista” ou, quiçá mais apropriado, marxiano, ou, ainda, marciano, pelo que possui de inusitado e desumano:
“A historiografia hobbesiana foi descobrindo conexões cada vez mais estreitas entre sua concepção materialista e mecanicista do mundo e o nascimento-crescimento-triunfo da ciência moderna.” (15)
Em 1640, The Elements of Law Natural and Politic apresenta a célebre conclusão, na verdade premissa, preconceito: Homo homini lupus - o homem é lobo do homem.
De Cive pousou dois anos depois. Por dois capítulos, no primeiro e segundo, o “filósofo do mêdo” rechaça a formação e a vigência de partidos, “factions or conspiracies”, destarte rotulando-os virtuais desestabilizadores. Ingenuidade ou esperteza?
Daí ao Leviathan passaram-se nove anos de mau juízo sobre nossa natureza:
“O Estado de Natureza descrito por Hobbes é aquele em que cada um vive por sua conta e precisa cuidar da própria defesa, pelo que termina em uma guerra de todos contra todos.” (16)
Einstein, em tese, pode explicar:
Com o homem primitivo é acima de tudo o medo que invoca noções religiosas - medo de fome, bestas selvagens, doença, morte. Já que nesse estágio da existência a compreensão das conexões causais é geralmente pouco desenvolvida, a mente humana cria seres ilusórios mais ou menos análogos a ela mesma, de cujas vontades e ações dependem esses acontecimentos temerosos. (17)
A superstição, as crenças infundadas, já vinham atravessando gerações:
“A afirmação mitológica da maldade inata na natureza humana encontra-se, como se sabe, na Bíblia. Ela está explicitada no episódio de Caim e Abel, como corolário da tese do Pecado Original; e foi filosoficamente elaborada por Santo Agostinho.” (18)
A alienação, a miragem contemplada por povos sedentos de segurança vara o EspaçoTempo:
Em conseqüência, tanto o platonismo quanto o cristianismo distanciam os seres humanos do meio que os rodeia. A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos. Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo. (19)
Na queda religiosa, o medo recíproco e generalizado poderia ser minimizado com a praticidade leviatânica. Taine desconsidera essa “natureza” humana sentida por Hobbes:
“O homem não é inimigo do homem a não ser por meio de um falso sistema de governo.” 20)
A consequência do “falso sistema” pilhado por Taine foi lamentada por B. Jouvenel:
“O Minotauro é um protetor sem limites, mas, por isso mesmo, autoritário sem limites (...)
Teseu e o Minotauro
As pessoas têm o sentimento de que já não há espaço para o que dantes se chamava de vida privada.” (21).
Qual consequência? Responde-nos Rosseli:
“Sem homens livres não há possibilidade de um Estado livre.” (22)

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Notas
1. Hobbes, Thomas, cit. Brett, R. L., p. 29.
2.Bobbio, N., A Teoria das Formas de Govêrno, p. 95.
3. Chevallier, Jean Jacques, p. 56.
4. République, 1576; cit. Perelman, C., p. 325.
5. Koselleck, Reinhart, p. 22.
6. Burns, Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, p. 432.
7. É a autoridade, não a verdade, que compõe a lei. Hobbes, T. Leviathan II, 18, cit. Koselleck, Reinhart, p. 31.
8. Hobbes, Thomas, O Leviatã, Os Pensadores, p. 206.
9. vol II, p. 258.
10. Maturana, H., cit. Pellanda, Nize M.C. e Pellanda, Eduardo Campos, p.115.
11. Giddens, A. p. 144.
12. Estudos de História Contemporânea - A civilização posta à prova, p. 219.
13. Hobbes, Thomas, cit. Polin, Raymond, Galileu, Descartes e o Mecanismo, p. 77.
14. Schmitt, C., cit. Bobbio, N., Thomas Hobbes p. 188.
15. Idem, p. 186.
16. Thoureau, H., in Downs, Robert Bingham, p. 75.
17. Einstein, Albert, cit. Pais, Abraham, Einstein viveu aqui, p. 139.
18. Penna, O.M., O espírito das revoluções, p. 83.
19. Zohar, D., 2000, p. 188.
20. Taine, H., cit. Paine, Thomas, Os Direitos do Homem, p. 122.
21. Jouvenel, Bertrand de, cit. Andrade, M. C., p. 28.
22. Rosseli, C., p. 149.




domingo, 25 de maio de 2008

A pobreza metodológica de Thomas Hobbes

A concepção do universo que por sua influência alcançou aceitação geral era um mecanismo dirigido por princípios matemáticos, sem cor, perfume, sabor e som. A ciência havia estendido os limites do universo, mas convertido em máquina sem vida, que marchava de acordo com forças capazes de ser formuladas matematicamente, não a expressão poética. (2)
Descartes cortou o pescoço da poesia,; e Hobbes saboreou o prato com Bacon. Dessarte o trio atrofiava a Filosofia, reduzida a fenômenos de movimento. Tomado pelo vírus platônico, a Hobbes Deus não era mais do que o primeiro motor, o primeiro passo de uma cadeia causal que uma vez em movimento não necessitava maior ajuda.
A tradição de Hobbes nunca concebia a imaginação como força criadora. Para Hobbes a mente humana, como o universo, é uma simples máquina, e de uma máquina não cabe esperar nenhuma criação. BOBBIO, N., Thomas Hobbes:  72.
Ralph Cudworth protesta:“Criaram um mundo morto e de madeira, como se fora uma estátua talhada, sem nada vital nem mágico nele, em nenhuma parte.” (3)  Bastos explica:
O essencial para Hobbes não era a desmistificacão do poder, mas antes a representação da ordem política como um gigantesco autômata, que autorizaria a intervenção de técnicos qualificados. Governantes sensatos, inspirados pela razão científica, poderiam modificar o curso da vida social num sentido favorável a maioria dos interessados. (4)
Eis sua prosaica razão:
Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglêsa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico. Pelo relato de um antiquário seu contemporâneo, sabe-se que Hobbes, em certas ocasiões entre 1621 e 1625, secretariou Bacon ajudando-o a traduzir alguns de seus Ensaios para o latim. COBRA, Rubem Q., Thomas Hobbes, Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997.
A tanto nada mais exato do que a matemática, a geometria, aquela que ele mesmo diz ser “a única ciência que até agora Deus quis presentear o gênero humano cujas conclusões tornaram-se atualmente indiscutíveis.” (5) O protótipo mecanicista-social veio no Short Tract on First Principles, de 1630:
À maneira de Descartes, mas antes de Descartes, conforme prova claramente esta obra, ele concebe o mundo nos termos de um estrito mecanismo, em termos de movimentos que caracterizam corpos definidos pela sua extensão e forma.(7)
Thomas, como os dedicados de então, indicava o próprio homem como repositório de mecanismos. Nossas ações seriam previsíveis porque se pensava restritas a apetites ou aversões à matéria, tudo embrulhado no puro e primário empirismo*; mas combinava. Marx não o menciona, mas a afinidade é evidente por vários ângulos: “Materialista inveterado, Hobbes via tudo como tangível e todos os fatos como mecânicos.” (8)
O homem dotado de razão seria capacitado a operar cálculos. “Ratiotinatio est computatio”. Então, o que o platônico Euclides fizera para a geometria, Galileu para a física, Descartes para ambos, julga-se Hobbes à altura para revolucionar a política, coroando-lhe com a pretensa cientificidade que reduziu a nação à mera engrenagem, já velha analogia do relógio, a machina machinarum:
Na própria introdução ao De Cive declara que, para se conhecer uma coisa, é preciso conhecer os elementos de que ela é constituída, dando o exemplo do relógio, cujo funcionamento só pode ser plenamente compreendido quando desmontamos (9)
Russel enfatiza:“Assim como Galileu e Descartes, Hobbes sustenta que tudo o que experimentamos é causado pelo movimento mecânico dos corpos externos.” (10) “Sabe-se que Thomas Hobbes ficou fascinado pela geometria euclidiana.” (6)
No modelo proposto por Descartes e seguido por Hobbes, a geometria era a única ciência que Deus houve por bem até hoje conceder à humanidade. Retomava-se Galileu, para que a língua da natureza era a matemática. O pensamento moderno é assim marcado por este ritual do pensamento a que logo se opôs Pascal com o chamado esprit de finesse. A matematização do universo desenvolve-se com Newton e atinge as suas culminâncias em Comte. Nos Estatutos pombalinos da Universidade, determinou-se expressamente que os professores usassem do e.g. para poder discorrer com ordem, precisão, certeza. Respublica, JAM
Os parcos conhecimentos não lhe impediram de ministrar matemática. Os ensinamentos foram exercitados em Paris (1646), ao futuro rei Charles II, na França também de quarentena. Como Bacon e Maquiavel, Hobbes gravitava em torno do poder, mesmo virtual, não titubeando em professorar essa matéria cuja essência mal arranhava, mas os franceses souberam afastá-lo. Foi logo visto como oportunista e repudiado até por outros exilados, enquanto o governo o tinha sob suspeita devido a seus ataques ao papado. Um século depois, Rousseau cataria a garrafa do gênio.
A indivisibilidade do poder soberano é uma das idéias fixas de Hobbes; e, de resto, era esse um dos fundamentos da doutrina política do primeiro e mais célebre teórico do absolutismo, bastante conhecido de Hobbes, ou seja, Jean Bodin (1530/1596)
Em 1651 Hobbes apresentou o resultado dos mirabolantes cálculos, intitulado The Leviathan. Em fins do mesmo ano, consagrar-se-ia pioneiro da sociologia positivista, ao galante de Cromwell.
Autorictas, non veritas, facit legem **
THOMAS HOBBES
“De volta à Inglaterra, tornou-se um dos precursores do materialismo positivista, considerando a filosofia como uma espécie de matemática, que soma, subtrai, combina e separa as coisas suscetíveis dessas operações.” (11)
“A historiografia hobbesiana foi descobrindo conexões cada vez mais estreitas entre sua concepção materialista e mecanicista do mundo e o nascimento-crescimento-triunfo da ciência moderna.” (Bobbio, N., Thomas Hobbes: 186) 
“Como se comentou recentemente, Hobbes foi a ovelha negra da sociedade inglêsa do seu tempo, assim como Maquiavel, no século precedente.” (Bobbio, N., Locke e o Direito Natural:165)
Para melhor aquilatarmos a preponderante mediocridade que comandou o raciocínio de Thomas Hobbes, vejamos a seqüência do seu pensamento pelo detalhista Prelot (vol II, p. 258):

A essência da natureza humana é o egoísmo e não a necessidade altruísta da vida em comum. Quando o homem procura a comunidade, não o faz a fim de conseguir a sua realização pessoal, ou, como pensava o fundador da Escola, em virtude de uma tendência natural que o faz procurar seus semelhantes, mas unicamente com vista ao seu próprio interesse nasce do temor mútuo que existe entre os homens, e não da boa vontade mútua.
Shaftesbury se deu conta que as doutrinas de Hobbes solapavam toda a interpretação espiritual do universo e convertiam a moral em simples conveniência. Deu-se conta, também, que estas doutrinas e outras parecidas destruíam os estímulos da arte e as grandes obras artísticas da humanidade. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.
Em carta a Thomas Poole, (cit. Brett: 109) Shaftesbury também discordou do "incomparável" Newton, algo que nem Locke (3) ousou: "Newton era um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema."
Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus. (A.R. Wallace & R.Young, Sciences studies, 1971: 184; cit. Japiassú, 1978: 56)
Eis o lamento de Werner Heisenberg, há algumas décadas atrás: “A cisão cartesiana penetrou fundo na mente humana nos três séculos após Descartes e levará muito tempo para ser substituída por uma atitude realmente diferente diante do problema da realidade.” (14)
A física nuclear Anna Lemkow também levanta o alto custo da experiência:
Podemos julgar uma filosofia por seus frutos. A visão reducionista-mecanicista-materialista cultivou inúmeras dicotomias, cismas, fragmentações, alienações: alienação de si (o vácuo espiritual) e, por conseqüência, dos outros; alienação da natureza (autômatos não podem sentir muito por outros autômatos - se somos apenas máquinas, podemos muito bem nos apoderar do máximo possível, conquistar e explorar a natureza por completo); a dicotomia entre conhecimento e valores, meios e fins, mente e matéria, universo de matéria e universo de vida, entre ciências e humanidades, entre ricos e pobres, industrializados e de Terceiro Mundo, entre gerações presentes e gerações futuras. (15)
Mientras continúa el fértil debate para dilucidar los entuertos propios del 'síndrome de Hobbes' en relación a los bienes públicos, los free-riders, las externalidades, el dilema del prisionero, las confusiones en torno a la 'tragedia de los anticomunes' y, en el contexto de la asimetría de la información, la selección adversa y el riesgo moral, mientras esto tiene lugar decimos, es menester buscar sa17lidas al atolladero en el que estamos si no queremos correr el riesgo de que todo termine abruptamente en el Gulag. Alberto Benegas Lynch, 17/2/2011
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Veja também:

A má temática de Thomas Hobbes

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Notas
* "O empirismo sustenta que toda a afirmação para que expresse conhecimento está limitada por algum processo experimental"; Hayek, Friedrich August von, Os erros do socialismo - Arrogância Fatal, p. 88;
Empirismo: "Doutrina, defendida em particular por D. Hume, segundo a qual qualquer conhecimento deriva da experiência, e apenas dela", Lacoste, Jean, A Filosofia no Século XX, p. 223.
** É a autoridade, não a verdade, que compõe a lei. Hobbes, T. Leviathan II, 18, cit. Koselleck, Reinhart, p. 31.
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2. Hobbes, Thomas, cit. Gusdorf, Georges, p. 164; também em Bastos, Wilson de Lima, p. 173.
3. Cudworth, Ralph, cit. Brett, R. L., p. 13.
4. Hobbes, T., cit. Bastos, Wilson de Lima, p. 173.
5. Hobbes, T., Leviathan, 21, 27, cit. Bobbio, Norberto, Thomas Hobbes, p. 29.
6. Hobbes, T., cit. Henry, J., p. 35.
7. Descartes, R. e Hobbes, T., cits. Alquié, Ferdinand, p. 75.
8. Rohmann, C., p. 61.

9. Hobbes, T., De Cive; Leviathan; cit. Koselleck, Reinhart, p. 26 : "Por temor, Hobbes torna-se o mais forte defensor do Estado”.
10. Galilei, G; Descartes, R.; Hobbes, T., cits. Russel, B., p. 275
11. Hobbes, Thomas, cit. Bobbio, Norberto, Thomas Hobbes, p. 76/77.

12. Toffler, A. e Toffler, H., p.41.
13. Bobbio, N., Thomas Hobbes, p. 72.
14. Capra, Fritjof, Sabedoria Incomum, Conversas com pessoas notáveis, p. 16.
15. p. 15