sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O significado de Epistemologia

Para conceber tudo isso, precisamos demolir pedra após pedra, por assim dizer, o artístico edifício da cultura apolínea, até vislumbrarmos os fundamentos nos quais se assenta. NIETZSCHE, F., Nascimento da tragédia: 32
Doxa, Technê, Episteme 
Foram mesmo os gregos que vieram com a distinção, com essas novidades.
Doxa : sufixo usado em paradoxo; também em ortodoxo, heterodoxo. . Limita-se à opinião, uma "crença" a priori, no o máximo uma manifestação heurística, avulsa, precária, que aguarda prova para um upgrade científico, ou alguma síntese de uma dialética engembrada.
Technê: ligada à engenharia, na prerrogativa da produção de objetos entendidos úteis. É o prefixo que compõe a tecnologia.
Episteme
: reporta-se à teoria - a idéia básica e seus desdobramentos fáticos. Feyerabend, Lakatos, e muitos a definem como Filosofia das Ciências. Outros preferem Teoria das Ciências. A designação é irrelevante. Impõe-se investigar o meio, a forma, e as condições experimentais da ciência admitida, inclusive o método logrado à consecução do conhecimento, à sua consagração ou para refutá-lo.
A filosofia das ciências sem a história das ciências é vazia;
a história das ciências sem a filosofia das ciências é cega.
LAKATOS, I.,  cit. PENNA,  A.  G:. : 10
O que não é Epistemologia
A valiosa Wiki neste caso precipita "Pode-se dizer que a epistemologia se origina em Platão. Ele opõe a crença ou opinião ("δοχα", em grego) ao conhecimento. A crença é um determinado ponto de vista subjetivo. O conhecimento é crença verdadeira e justificada." Desculpe. Ainda que não poucos tributem o parto a Theaetetus, na verdade Platão projetou apenas metafísicas, justamente paradoxos, as crenças que jurava se afastar, entre as quais a estorieta da caverna, e mormente o crédito ao orfismo trazido por Pitágoras - a separação, a identificação da alma como elemento contrário ao corpo porque divina, abstrata, e ele concreto, mundano.
Para Platão, (Timeu. 26a) a ordem e a beleza que vemos no Cosmo resulta de uma intervenção racional, intencional e benigna de um divino artesão, um 'demiurgo' (gr. δημιουργός), que impôs uma ordem matemática a um caos preexistente e, assim, produziu um Universo divinamente organizado, a partir de um modelo eterno e imutável
Mais crente que isso é difícil. Não há crença verdadeira. Contrariu sensu não seria crença, mas verdade, simplesmente. Ou ciência. Qualquer crença é manifestação de carência cognitiva. A produção e a proliferação da crença sim, requer astúcia. Muita astúcia. "O Demiurgo de Platão, o grande arquiteto cósmico, transformou-se no Deus cristão de Copérnico." (GLEISER, M., Criação Imperfeita: 54)
Nada existe de epistemologia nessas premissas e assertivas, nem em suas idéias, muito menos nas formas, exceto a pretensão. O grego afastou o conhecimento em favor de seus artifícios, todos de cunho estratégico. Suas veladas intenções foram reveladas já no assalto dos Trinta Tiranos sobre Atenas. Sua composição é o grande marco ideológico da civilização; portanto, jamais epistemológico. E por causa dele, aí sim, é que devemos mergulhar em todos segmentos científicos, a vasculhar fundilhos.
O que a ciência faz é precisamente mascarar, por detrás da racionalidade, sua função ideológica de justificar o poder, deformar o irracionalismo das relações humanas e dissimular a heteronomia dessas mesmas relações. A racionalidade, como ideologia, ocasiona uma cegueira parcial da inteligência humana, entorpecida pela propaganda dos que a forjam. COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 340
É hora, pois, da ciência desmascar seus próprios feitos
O labirinto
A FACULDADE DE CONHECER o verdadeiro se resumia ao que os braços ou olhos podiam pegar, coisa sem graça. O primata esporeou o burro, e lá se foi a formidável carroça ao rurmo da mais profunda ilusão,  formidável precipício: 
Quem se der conta com clareza de como depois de Sócrates, o mistagogo da ciência, uma escola de filósofos sucede filosófica sucede a outra, qual onda após onda, de como uma universalidade jamais pressentida de avidez de saber, no mais remoto âmbito do mundo civilizado, e enquanto efetivo dever para com todo homem altamente capacitado, conduziu a ciência ao alto-mar, de onde nunca mais, desde então, ela pode ser inteiramente afugentada, de como através dessa universalidade uma rede conjunta de pensamentos é estendida pela primeira vez sobre o conjunto do globo terráqueo, com vistas mesmo ao estabelecimento de leis para todo um sistema solar; quem tiver tudo isso presente, junto com o assombrosamente altas pirâmide do saber hodierno, não oderá deixar de enxergar em Sócrates um ponto de inflexão e um vértice da assim chamada história universal. Nietzsche, ob cit.: 92
"A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que PLATÃO considerou a única forma de conhecimento." E o mais curioso, ainda: o pupilo de SÓCRATES utilizou exclusivamente  alegorias, especialmente  para efetuar o corte letal no âmago do ser humano, a primária intersecção: "A separação metafísica da alma e do corpo teve efeitos desastrosos sobre a filosofia." (RUSSELL, B., Por que não sou cristão: 43)  Não somente sobre a filosofia, senão à ciência, à política, ao convívio social, e ao próprio Universo, porque não?
Platão sentia todo o encanto do mito. Tinha sido dotado de uma imaginação poderosa. que o capacitava a se tornar um dos maiores criadores de mitos da história humana. Porque não podemos pensar na filosofia platônica sem paralelamente pensarmos nos mitos platônicos. CASSIRER, Ernst, O mito do Estado: 95
O ex-secretário do Tirano de Siracusa vetava a entrada da arte, da poesia, da especulação, apenas preservando a órfica. Em outras palavras, PLATÃO promoveu um bloqueio no pensamento ocidental, cujo ápice exigiu uma bomba atômica para arrefecê-lo.  O quisto teima tal qual a Hydra. Eis como a episteme se tornou  desnecessária, fora de propósito, caindo submersa, enquanto na superfície se digladiam intrépidos olímpicos, luta titânica a exigir  o utilitarismo exacerbado, o ser humano na produção em série, o homem-máquina:
O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético. LEONI, B.: 66
A ciência moderna está estreitamente associada a um poder sobre as coisas, e sobre o próprio homem, e é por isso que ela aparece ligada à tecnologia a ponto delas serem indiscerníveis. Ladrière, J., Um saber do tipo operatório : as questões da racionalidade; Le défit de la science et de la technologie aux cultures [O desafio da ciência e da tecnologia às culturas], Aubier-UNESCO, 1977; Chrétien: 205
Vejamos outro conceito que igualmente pode confundir: "Epistemologia é o estudo do grau de certeza do conhecimento científico em seus diversos ramos, especialmente para apreciar seu valor para o espírito humano." (BUENO, 1996 Arte na Escola) Também não é nada disso; com boa-vontade, um pouco, apenas, disso. Convém alertar a escola. Em primeiro lugar, não há nenhum conhecimento que não tenha lá seu valor, mesmo aquele empírico. Na expectativa de grau de certeza igualmente a assertiva não tem procedência. Grau de probabilidade pode haver; mas não de certeza. Ou é certo, ou não é. Aliás, sequer a certeza é considerada na investigação científica. Ela poderá, isto sim, ser tomada como tal; todavia, a experiência incita a presumi-la de modo precário, por relativa. Por princípio toda tese se faz provisória, aguardando o momento de ser substituída quando falseada, para usar a terminologia de Popper. O próprio racionalismo crítico pouco se vale do conhecimento estabelecido; ao contrário, sói refutá-lo. Dessarte, raramente o conhecimento acumulado terá serventia, exceto como perigoso andaime. Por fim, o rastreador não visa valorizar absolutamente nada, exceto o conhecimento em si, esta coisa incalculável. Não obstante, o eventual valor daí decorrente será em função energética, mais ampla do que meramente espiritual.
O mais notável e distante vestígio epistemológico encontrei com Demócrito  O risonho filosofo esteve em Atenas, mas, ele mesmo o diz, ninguém tomou conhecimento. Tirante por raros luminares do XVIII, a rigor a Epistemologia se impôs apenas pelo meado do XIX, quando a ciência tomou consciência de que seu edifício tinha sido construído em bases exclusivamente materiais, e, agora sim, por paradoxo, ilusórias. Mas antes de ser mais incisivo, apelo à salvaguarda de Einstein: "Se, no que se segue, eu vier a expressar minhas idéias um tanto dogmaticamente, será apenas em nome da clareza e da simplicidade."
Razão e definição
Toda a nossa ciência, comparada com a
realidade, é primitiva e infantil – e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos. Albert Einstein
A ciência jamais se contenta. Pesquisadores sempre estão à cata do novo, ou mesmo almejando substituir a arquitetura anterior. Às vezes uma propositura permanece por largo período brilhando no EspaçoTempo, mas não é sua longevidade que lhe garante o passaporte à Eternidade. Como sua vizinha felicidade, e a primogênita perfeição, a verdade é apenas mais uma meta, oriente ao porto, não o porto. É o percurso da evolução; e como tal, não pode parar. Não é estação. É uma flecha, não o alvo.
Existem vários exemplos. Vamos ao que lhe interessa.. Minha definição:
Epistemologia estuda as relações dos fundamentos científicos.
A razão, e imperiosidade da constância investigativa se deve à imperfeição humana, e seus reflexos nas produção de conhecimentos em princípio tomados incontestes, mas que se enfocados por ângulos variados e através de lentes com distintos graus de aproximação, podem demonstrar falhas de base. São incontáveis os percalços e equívocos cometidos nas edificações centíficas. Dessarte, a Epistemologia se ocupa em examinar os fundilhos, a pertinência dos princípios, pressupostos, a base teórica, a estrada tomada, o paradigma que suporta a pirâmide. Ou, na compacta conceitação de Olegária Matos (Filosofia, a polifonia da razão: 117): "É a teoria de conhecimento e sujeito cognoscente que tratam das origens, pressupostos e natureza da verdade na filosofia e na ciência."  Outra definição:
The Epistemology, also called Theory the Knowledge, is the branch of the philosophy interested in the inquiry of the nature, sources and validity of knowledge. (A Epistemologia, também chamada teoria do conhecimento, é o ramo da filosofia interessado na investigação da natureza, fontes e validade do conhecimento.) GRAYLING A.C., Epistemology. - Bunnin and others (editors); The Blackwell Companhion to Philosophy. Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers Ltd, 1996)
Quem melhor designa é Gaston Bachelard*,  O "bruxo" sonhava com uma forma pela qual a ciência pudesse se dedicar à própria crítica. Identificar e compreender a ciência é mapear impasses metodológicos e teórico-práticos que a originaram como procedimento racional. As teorias de Newton e o paradigma* da fatalidade, por exemplo, malgrado uma sintetização da jamais feita, por isso perdurando por séculos, solapou dois fenômenos salientes, fenômenos, pelos quais o célebre articulador não encontrou as fórmulas. A primeira se deve ao desvio da luz de Mercúrio, ao tangenciar o Sol. Por supor insignificante, e dificilmente descoberto, Newton menosprezou o detalhe pelo qual ele não tinha explicação. Por fim, o mais grave: Newton supos que as órbitas dos planetas estivessem atreladas à forças de atração e repulsão, em grau melimetricamente calculado pelo Supremo Arquiteto do Universo, ao tempo em que apregoava não se valer de meras hipóteses; contudo, jamais o ex-sacerdote pode explicar o modo desta ação à distância, exceto se agarrando no Divino. Estes dois pontos nevrálgicos, esquecidos e/ou desconhecidos por longo tempo, mercê da praticabilidade da teoria, denunciaram a imperfeição científica das proposituras.
A função do Epistemólogo
Nos edifícios científicos, ele se dedica a aferir a incidência, em maior ou menor escala, de preferência em nenhuma, de dados já antecipadamente formulados, bem como sobre as origens dessas formulações, e o rumo que podem tomar. Em outras palavras, o cocker é apto para identificar a base sob a qual é erigida a tese, ressaltando elementos que julgar compatíveis, e refutando os obstáculos, disposições dogmáticas desprovidas de fundamentação racional, geralmente oriunda da metafísica platônica.
O dedicado a rastrear os liames não  permanece circunscrito às segmentações acadêmicas, às disciplinas profissionalizantes. Nas palavras de Edgar Morin, a tarefa é promover "um contrabando do saber", fruto da peregrinação pelas cátedras. Mister  a lente “panorâmica", ao invés de microscópica. É pelo mosaico, pelo leque das ciências, que podemos mais corretamente divisar. Tudo o que é humano é ao mesmo tempo psíquico, sociológico, econômico, histórico, demográfico. É importante que esses aspectos não sejam separados, mas concorram para uma visão "poliocular". Assim orientava Henry Poincaré (cit. Abbagnano: 100), no último canto do XIX, de certo modo se antecipando a Einstein por frações de segundo: "A ciência, por outras palavras, é um sistema de relações. Portanto, só nas relações se deve procurar a objectividade: seria inútil procurá-las nos seres considerados isoladamente uns dos outros."
O cosmos, e tudo mais, se integram em relações.
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* BACHELARD, Gaston, A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. - Rio de Janeiro: Contraponto, 1996).


3 comentários:

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