domingo, 31 de maio de 2009

O Carma Ocidental - 44. Nascente socialista & fascista

O socialismo nasceu da dissolução do Ancien Régime, da mesma forma que o conservadorismo foi criado a partir da tentativa de protegê-lo. GIDDENS, A.: 64
O que acaba de acontecer em Paris é abominável, no fundo e na forma e quando se conhecerem os detalhes, parecerão ainda mais cruéis que todo o acontecimento. Quanto a este, já se encontra em germe desde a revolução de fevereiro, como o pintinho no ovo; para fazê-lo sair, não falta mais do que o tempo necessário de incubação. A partir do momento em que se viu aparecer o socialismo, devia se ter previsto o reino dos militares. Um geraria o outro. ..Eu esperava isso há algum tempo e, embora sinta muita pena e dor pelo nosso país, e uma grande indignação contra certas violências ou baixarias, que vão além do inaceitável, estou pouco surpreendido ou perturbado interiormente. Neste momento a nação está com medo louco dos socialistas e deseja ardentemente voltar a encontrar o bem-estar. É necessário que a nação, que nos últimos 34 anos tem esquecido o que é o despotismo burocrático e militar o prove de novo e, desta vez, sem o ornato da grandeza e da glória. TOCQUEVILLE cit. RODRÍGUEZ, R. VÉLEZ : 119
As idéias encadeadas de DESCARTES, ROUSSEAU, SAINT-SIMON & COMTE compunham os acordes aos estribilhos germânicos de HEGEL & MARX, ao tempo em que eram encorpadas pelas segundas vozes do oeste, de NEWTON, HOBBES, MALTHUS, DARWIN, MILL e BENTHAM.
A designação SOCIALISMO foi usada pela vez primeira por PIERRE LEROUX.
TODOS esses, sem exceção, formularam seus arrazoados sob a égide de PLATÃO.

A cambagem exigia a guerra de classes, a insurreição popular, como ENGELS pleiteava. AUGUSTO BLANCHI foi seu porta-voz. O escudeiro GUIZOT (cit. RUDÈ, G.: 182) sugeria atraente receita às mazelas sociais: Enrichissez-vous!  GEORGE LOVELESS (idem: 241), nome certo pela manifesta carência de amor, incitava:..“Nada será feito para minorar o sofrimento da classe trabalhadora, a menos que esta o faça por suas próprias mãos”.
Era uma questão tanto de sobrevivência quanto de política: uma panacéia que, pelo voto do trabalhador e pela transformação radical do Parlamento, proporcionaria ao trabalhador muitos assados, muito pudim de ameixas e cerveja forte, com três horas de trabalho diário . RUDÈ, GEORGE: 190
A França, coração do mundo, faria todo corpo adoecer com tamanha gravidade que até hoje perdura seu mal.
Sob influência dos filósofos absolutistas e autoritários, Hegel, Marx, Comte e uma pletora de epígonos contaminados por esta magia negra da política que é Ideologia - o Liberalismo recuou a partir da segunda metade do século XIX. PENNA, J. O. M: 179
Os interesses amedrontados pelas incertezas, a razão chocada pela desordem, sentimentos revoltados pela miséria, a imaginação estimulada por promessas de inversões, a força pela união, a junção para a defesa, tudo reclamava, de novo, ordenadores, condottieres, justiceiros de moderna versão. Os fins, de novo, justificavam os meios.
Mas em nossa época, a tirania das vastas organizações-máquina, governadas desde cima por homens que nada sabem e a quem nada importa se as vidas daqueles que controlam estão matando a individualidade e a liberdade de pensamento e forçando os homens, cada vez mais, a se amoldarem a um padrão uniforme.
RUSSEL, Bertrand, 2001:20
VON MISES (cit. LEONI, B., A liberdade e a lei, p. 167) .compreende o processo, cruzador dos séculos:
O principal erro do pessimismo tão alastrado é a crença de que as idéias e as políticas destrutivas de nossa era emergiram do proletariado e são uma 'revolta de massas'. Na verdade, as massas, precisamente por não serem criativas e não desenvolverem filosofias próprias, seguem líderes. As ideologias que produziram todos os danos e catástrofes de nosso século, não são uma façanha da turba. São proezas de pseudo-intelectuais e pseudo-estudiosos. Foram propagandas das cadeiras das universidades e dos púlpitos; foram disseminadas pela imprensa, pelos romances, pelo rádio. Os intelectuais são responsáveis pela conversão das massas ao socialismo e ao intervencionismo. Para reverter o processo, é preciso mudar a mentalidade dos intelectuais. Então as massas os seguirão.
As sentinelas nacionalistas obtinham no lago positivista o espelho da certeza sociológica, o “ver para prever”, “prever para prevenir” e isto já mencionamos sobejamente. Então, prevendo o adversário ideológico manifestado através da Internacional Socialista, a inversora do sentido, o negativo do positivo, a ampulheta do tempo histórico virada pela perspectiva dialética e equilibrada no eixo linear de disputa, repete-se a máxima de MAQUIAVEL: “para tudo fazer, necessário que o poder tudo possa”.
Sonhava-se que o poder total pudesse mesmo regular todos os mecanismos sociais, desde que pautado em razão objetiva, quando se sabe que ele, o poder, sempre foi movido por vontades subjetivas. Benevolentes ações governamentais, não fugindo às regras, embalaram-se em redes de represamento popular com os muros dos aparatos estatais. O Estado unitário, “monstro concebido na Renascença, dado à luz por ROBESPIERRE, evoluído em Napoleonismo”, concentração enfeixada de poderes, ligava tudo a uma só engrenagem, submetendo a um só impulso todas as forças e toda a vida de uma sociedade, obrigando aceitação de cada um. Nada deveria refrear o poder, muito menos concepções relativistas ou parlamentares.
Em que pese a presença marcante do iluminado TOCQUEVILLE na Câmara dos Deputados, a contumaz praticante nostálgica, mais uma vez, buscava nas glórias passadas a solução de seu futuro, reavivando o execrado mito napoleônico, a glorificação do herói romântico, magistral e triunfante. O novo rei LUÍS FELIPE primeiro manda buscar as cinzas de BONAPARTE e as deposita, com toda a glória, debaixo da cúpula do já tradicional Inválidos, motivando o povo na base do “Olha o que eu trouxe para vingar vocês”.
A lenda refez-se: passadas somente quatro décadas e de novo, através de revolução, voltava o despotismo, período cognominado cesarismo, evidente alusão ao famoso imperador romano, claro demonstrativo de que a França regredia cada vez mais, no tempo, no espaço e nos costumes concernentes. E tome NAPOLEÃO, agora em dose dupla, um de cada vez, é claro, não tão plenipotenciários, sem ornatos ou grandezas, submissos à supervisão real, quanto mais não seja, para que o próprio Rei não sentisse a guilhotina da antevéspera do original. O povo francês aceita. Mais uma vez, se demitia do poder.
O novo proprietário do Estado não hesita em praticar o enterro da liberdade em nome da segurança e da distribuição de “felicidade”. Diante do crescente terror, mister aquele governo uno, coeso, centralizado, esquema que veio atravessando séculos, desde o Tirano de Siracusa, ao Império Romano, daí a CARLOS MAGNO, BÓRGIA, CROMWELL, etc, por fim MAO TSÉ TUNG, com as inconfundíveis características:
1) A liberdade individual, alvo prioritário, suprimida em troca da lei de segurança nacional.
2) A liberdade de imprensa negada em nome do disciplinamento, impedindo serem decisões e acões governamentais conhecidas pela população.
3) A liberdade eleitoral extinta pela tutela processual de candidatura única.
4) A “liberdade” concedida aos representantes parlamentares, perfeitamente dispensáveis até por falta de matéria.-
A convulsão proletária foi desviada à “defesa” nacional: primeiro, contra a Rússia, na Criméia; depois, contra a Itália; no além-mar, contra o México. E por iniciativa do clone ou não, a retomada das hostilidades germânicas, desta feita atirando as tropas ao infortúnio contra BISMARCK, que por sua vez espreitava a chance da desforra:.
A derrota frente a Napoleão e a resoluta defesa por parte dos intelectuais da supremacia da cultura germânica converteu-se em ideologia popular: surgiu o sentimento de que a verdadeira força de uma nação residia no âmbito do espírito e da cultura. Segundo Soppè, entre 1850-80 dominava na ciência alemã um materialismo mecanicista, segundo o qual a realidade obedeceria a leis inerentes às próprias coisas, matéria e força seriam constituintes últimos do real. Dentro desta perspectiva, o objetivo da ciência seria o estudo da matéria com vistas a descobrir as leis mecânicas que regem o mundo.
PEREIRA, JULIO CESAR: 38
OTTO  era muito hábil para tentar abolir o socialismo emergente só com repressão ou choque frontal. A idéia era “roubar” parte da bandeira. BISMARX encetou a cantilena ao posar de combatente contra latifundiários e capitalistas, neste caso utilizando parte do argumento socialista, mas para aplicação exclusivamente nacionalista (?!).
Bismarck compreendeu muito bem o partido que poderia tirar das idéias do socialismo de cátedra: usou-as como um instrumento de luta contra o socialismo e como meio de expandir o poderio do Estado. HUGON, P., História das Idéias Políticas: 279
Malgrado conservador, aristocrata, e monarquista, BISMARCK foi o introdutor de leis de acidentes de trabalho, o seguro de doença, o pioneiro em valorizar os sindicatos. Naturalmente ao aristocrata o que menos importava eram as condições dos trabalhadores, mas a manutenção de um exército leal e agradecido, saudável e disposto a morrer por seus caprichos..Sempre de olho nas guerras e, como no período da Renascença, objetivando soldados leais e fortes, o "marechal" soube se colocar “a favor” do trabalhador (!?) contra a doença, velhice e outras atenções, “de modo que estes senhores (socialistas) façam soar em vão o canto das sereias”....O "Chanceler de Ferro" (Eiserner Kanzler) primeiro fez todas as vontades: instituiu a aposentadoria, e aquelas várias leis sociais; depois, mandou-os aos campos talados de minas e canhões, para que realizassem o supremo sacrifício. HEGEL (Fenomenologia dello Spirito, v. II: 15; cit. BOBBIO, N., Estudos sobre Hegel, Direito, Sociedade Civil e Estado: 48) também neste particular havia deixado suas recomendações. Assim ele delineou o caminho (do precipício) para o “êxito” dos governos junto a seu povo:
Para não deixá-los lançar raízes e enrijecerem-se em tal isolamento, para não deixar desagregar o todo e envaidecer o espírito, devem sacudi-los de quando em quando, em seu íntimo, com as guerras; devem fazê-los sentir, com aquele trabalho imposto, o seu senhor: a morte.
A guerra deixa ao Estado o encargo dos créditos das vítimas de guerra. Os governos adotam o princípio de que as vítimas de guerra fazem jus à solidariedade da nação. Direitos logo materializados pela carta de ex-combatente, pelo estabelecimento de pensões. Todos os anos parte apreciável do orçamento público se destina ao pagamento das pensões de guerra.
RÈMOND, R., O Século XX, de 1914 aos nossos dias:
37
O jovem EINSTEIN (cit. THOMAS, H. e THOMAS, D. L., Einsten, perfil bibliográfico, A Vida do Grande Cientista: Einstein por Ele Mesmo: 53) chegou a conhecer o chanceler:
"Mas quando o assunto das palestras se desviava para a política, e as pessoas começavam a falar em Bismarck e na ascensão do Império Alemão, Albert se assustava e saía da sala.”
BISMARCK era consciente de sua maldade, e tentou o suicídio. Suas ações tiveram as mais graves conseqüências, assim apanhadas por EINSTEIN (New York Times, 23/6/1946; cit. PAIS, ABRAHAM, Einstein viveu aqui: 276): “Se a Alemanha não tivesse sido vitoriosa em 1870, que tragédia para a raça humana teria sido evitada!”
Logo a Alemanha veria o rio de sangue virou em delta:
Em Munique centenas de trabalhadores ocuparam estações ferroviárias e praças, enfrentando um exército de soldados e policiais. Arames farpados e barricadas brotavam por toda a parte, enquanto rajadas de metralhadoras varriam as ruas. Os vizinhos se acusavam mutuamente: 'Seu maldito bolchevique!' Ninguém estava a salvo dos delatores. Os revolucionários presos eram tratados como traidores. Em questão de semanas, os membros da Guarda Vermelha perceberam que haviam perdido sua mal concebida tentativa de tomar o poder; mas render-se significaria possivelmente enfrentar um esquadrão de fuzilamento. A loucura continuou assolando as ruas.
DIGGINS, J.: 271
Apesar do auxílio soviético, esta rebelião foi esmagada. ROSA DE LUXEMBURGO e KARL LIEBKNECHT que convocaram a luta nas ruas, ali mesmo tombaram. Tiveram o pouco de suas vidas jogadas em vão. O ambiente se adequava à demência de ambos os lados, confirmando os prenúncios de SEIPPEL, e mesmo de SPENGLER. Na cervejaria daquela Munique sentaria mero cabo, liderando mesa com sete serviçais, a fundar a obra requerida por HEGEL, FICHTE, WEBER, SPENGLER, e os positivistas logicos, de Viena. O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães nascia com o nome sugerido, e já com chefe: o prático e carismático moço ADOLF..
Naturalmente por total ignorância, tais estratagemas encantaram os povos germânicos, russos, e italianos, além dos próprios franceses. Desnecessário aquilatar o preço que tem sido cobrado de todos - duas guerras mundiais, dezenas de internacionais, e centensa de revoluções civis, tudo em nome social. Agora essa dos desorientados orientais coreanos, completando a melhor idade do carma ocidental.

Eis o grande dilema vivido desde então: tentando escapar da arapuca de HOBBES, do Leviathan, para quem o Estado incorporado em algum absoluto é o grande protetor, a civlização ocidental, e como vemos boa parte da oriental, escorrega na perfídia de ROUSSEAU, que alterou apenas a origem do poder, mas não o poder, por entregá-lo ao sabor e feixe de um premiado, "ungido por ação popular."
Por um ou por outro, apuramos o bizarro: o cidadão se despe e se entrega totalmente à vontade do feitor, que se resume no usufruto das benesses do poder, e isento de qualquer responsabilidade, venha ele da esquerda ou da direita, do socialismo ou do fascismo.Pela música e conforto, lá se vão as gentes embarcando nos trens, com destino ao além:


sábado, 30 de maio de 2009

O Carma Ocidental - 43. Comuna de Paris




Haverá uma nova classe, uma nova hirerarquia de verdadeiros e pretensos sábios e o mundo ficará dividido entre uma minoria que governará em nome da ciência e uma enorme maioria ignorante. Então essa massa ignorante que tome cuidado! Podemos ver como sob todas as fases democráticas e socialistas do programa do sr. Marx sobreviveriam no estado por ele criado e as características cruéis e despóticas de todos os Estados, seja qual for a forma de governo que se utilizam e que, em última análise, O Estado do Povo tão entusiasticamente recomendado pelo sr. Marx e o Estado aristocrático-monárquico mantido com tanta habilidade pelo sr. Bismarck são completamente idênticos tanto nas suas metas internas quanto nas externas. BAKUNIN, MICHAEL, Obras, 1910; cit. WOODCOCK: 128
A filosofia de Platão, que outrora reclamara ser senhora no Estado, torna-se com Hegel o seu  mais servil lacaio. POPPER, K., 1998, T. I: 269.

A CULTURA ASIÁTICA percebe os polos complementares. CONFÚCIO, LAO-TZÉ, a vertente do Tao, e por fim o Budismo consagram a integração.
De Esparta ao Império Romano, do Bizantino ao Soviético, a civilização ocidental, prefere o confronto. O sabre coloca o povo à serviço do rei:

A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país.
TOYNBEE, Arnold J.:196.
A ideologia da numerologia

A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina,
tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou
a única forma de conhecimento.

FEYERABEND, P., 1991: 13
“Não tenho dificuldades para admitir, identificando o platonismo com matematicismo, o caráter platônico da ciência galileana”. (GEYMONET, L.: 42)
Analisando aspectos da luta que os primeiros cientistas modernos travaram contra o misticismo,o ocultismo e o orientalismo, e como que refazendo o processo de Galileu, o autor procura renovar o significado e o valor daquela Revolução Científica que permanece nas raízes da civilização moderna.
ROSSI, Paolo, A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos da revolução científica. - S.Paulo: UNESP, 1992

Newton é um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo... há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema.
S
HAFTESBURY, carta a THOMAS POOLE. - Cit. BRETT, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 109.
“O desencanto do mundo e o progresso da ciência calculista, levando à perda total não somente do mistério, mas do desejo de revelar o mistério, provocaram o irracionalismo da dominação.” (HAGUETTE, T. M. F. org., HAGUETTE, A. , BRUHL, D., OLIVEIRA, M. A., DEMO, P., Dialética Hoje: 26)
Depois do carma subverter quase todas as ciências e filosofias, então retornou a vez da política, e, por consequência, da civilização, precipitarem-se pelo despenhadeiro:..
Marx, enquanto materialista, enquanto alguém que advoga que toda a realidade e matéria, porém não apenas isto, que toda a realidade e matéria obedece a leis que são absolutamente determinadas não apenas é materialista, como também determinista, isto é, crê ser possível compreender a realidade de tal forma que, uma vez descoberta suas leis, poderíamos antecipar seu futuro desenvolvimento e O Capital tem a pretensão de ser a obra que descreve o desenvolvimento das leis econômicas da sociedade moderna.
PEREIRA, J. C., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper: 134
Tal qualquer religião, as "leis" de GALILEU, KEPLER, DESCARTES, NEWTON & MARX não refletem a ciência, mas a coincidência; não fotografam a realidade, mas a projeção da crença no céu, para proventos na Terra, naturalmente. O materialismo clássico, qualquer determinismo enfim, conduz justamente a uma "teologia", não à Filosofia, que lhe é muito mais ampla; por conseguinte, superior.

A impropriedade da Comuna

As idéias gerais não atestam a força da inteligência humana, mas só sua insuficiência, porque não existem seres exatamente semelhantes na natureza; não há fatos idênticos; não há regras aplicáveis indistintamente e da mesma maneira a vários objetos ao mesmo tempo.
TOCQUEVILLE, ALEXIS, 2000: 15
MARX & ENGELS destilaram o veneno platônico em Londres, mas era na obscura Cidade-Luz, “capital da astrologia, medicina marginal e religiosidade pseudo-científica"(JOHNSON, P., p. 119), que os morcegos se alimentavam.

O Marxismo introduziu dois axiomas: o de que a sociedade está dividida em classes cujos interesses estão em eterno conflito; e o de que os interesses do proletariado - só realizáveis através das lutas de classes - exigem a nacionalização dos meios de produção, de acordo com seus próprios interesses e em oposição aos interesses das outras classes.
VON MISES, LUDWIG, Uma Crítica ao Intervencionismo: 139
ENGELS postulava a (re) quebra da ordem econômica francesa. Meteu-se o confuso alemão no vizinho país pela força do título e do conteúdo de seu trabalho - As Lutas de Classe na França - onde incita a participação direta do povo à guerra civil. Mais uma vez, a Place de La Concorde seria tingida com sangue:


Já é passado o tempo de ataques surpresa, de revoluções realizadas por pequenas minorias conscientes à testa de massas inconscientes. Quando a questão é uma completa transformação da organização social, as próprias massas tem de participar, tem de haver compreendido o que está em jogo, pelo que estão lutando, de corpo e alma.
BURNS, E. M., LERNER, R. E. e STANDISH, M.: 623
.
Para melhor compreensão do que estava em jogo (como podem vidas serem tratadas como peças de jogo?) os primeiros jornais de trabalhadores prepararam as manifestações da dupla. O Journal des Ouvriers, o Artisan e Le Peuple datam de setembro de 1830; e as insurreições, em novembro de 1831.
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Vivre en travaillant ou mourir en combattant
*


..
O.

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LOUIS BLANC (1811-1882) se destacou estacaram pela condenação a realidade ofertada pela revolução industrial. Quase sempre utilizando-se daquele mesmo velho estratagema da meia-verdade, BLANC agia no sentido apontar a exploração da classe operária. Para ele, de aparente espírito democrático, deveriam os trabalhadores votarem, elegendo daí representantes que viriam colocar o Estado a serviço de todos como “banqueiro dos pobres”, uma instituição recomendada até pelo liberal TOCQUEVILLE** aos carentes reunidos em “associações de produção”. Mas a organização se assentou num autoritarismo estático colocando o Estado-banqueiro como senhor do capital e da produção, com os carentes trabalhadores tentando, sem o menor êxito, ritmar o Palácio de Luxemburgo.
.
.B
BLANC
então tratou de instalar o Parlamento dos Trabalhadores, tal qual PLATÃO recomendara: "O sábio deve dirigir, e os ignorantes, segui-lo."
PROUDHON emprestou-lhe parcial apoio, mas em Contradições Econômicas (1846) com meio século de antecipação predisse dois relevantes fatos causadores de milhões de mortes pelo mundo afora: a possibilidade do socialismo ou do comunismo obterem sucesso, e o abuso que lhe sucederia..
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Graças ao reconhecido talento e a sua brilhante dialética, PROUDHON também formulou com êxito sua teoria da exploração, classificando a propriedade como “um roubo” - a mesma que MARX reencetaria, em seguida, com algumas alterações - liame que o colocou em sintonia com eco populista. O que resta indagar é de onde PROUDHON roubou os tijolos para formular sua construção teórica.
O engatinhante parlamento democrático dissolveu-se nas mão dos trabalhadores aglutinados por esses profissionais do trem platônico-cartesiano-darwiniano. Os maquinistas, como sempre, passaram a comandar as decisões... visando seu universo de atuação e usufruto. A colheita poderia ser farta. Kilos de alimentos não perecíveis assegurar-lhes-iam o ingresso nos palácios.



Era uma questão tanto de sobrevivência quanto de política: uma panacéia que, pelo voto do trabalhador e pela transformação radical do Parlamento, proporcionaria ao trabalhador muitos assados, muito pudim de ameixas e cerveja forte, com três horas de trabalho diário
RUDÈ, GEORGE: 19

A reportagem de dezembro de 1851 delineia a tempestade:
O que acaba de acontecer em Paris é abominável, no fundo e na forma e quando se conhecerem os detalhes, parecerão ainda mais cruéis que todo o acontecimento. Quanto a este, já se encontra em germe desde a revolução de fevereiro, como o pintinho no ovo; para fazê-lo sair, não falta mais do que o tempo necessário de incubação. A partir do momento em que se viu aparecer o socialismo, devia se ter previsto o reino dos militares. Um geraria o outro. Eu esperava isso há algum tempo e, embora sinta muita pena e dor pelo nosso país, e uma grande indignação contra certas violências ou baixarias, que vão além do inaceitável, estou pouco surpreendido ou perturbado interiormente. Neste momento a nação está com medo louco dos socialistas e deseja ardentemente voltar a encontrar o bem-estar. É necessário que a nação, que nos últimos 34 anos tem esquecido o que é o despotismo burocrático e militar o prove de novo e, desta vez, sem o ornato da grandeza e da glória.
TOCQUEVILLE cit. RODRÍGUEZ, R. VÉLEZ : 119
Escudado pela voz da “maioria”, mais uma vez o povo puxou as armas, desta feita para depor o próprio CARLOS X. Vencida as barreiras da tradição institucional, o campo ficou limpo para o descambar da nova onda socialista.
A Paris operária, com a sua Comuna, será para sempre celebrada como a gloriosa percursora de uma sociedade nova. A recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no grande coração da classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História já os pregou a um pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não conseguirão resgatá-los.
MARX, Karl, Guerra Civil em França - 30 de Maio de 1871
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A teoria econômica veio a ser uma ampla empresa de terrorismo intelectual, cujo aspecto pseudo-científico serve, na realidade, de coerção para excluir todos os verdadeiros problemas da sociedade contemporânea. Seu exagerado profissionalismo, herdado de sua mitologia científica, e todo o aparato matemático que a rodeia, servem para mascarar seu objetivo ideológico, que transforma sua disciplina numa máquina para estabelecer as leis das relações de força que existem na sociedade, numa civilização materialista e produtivista, orientada totalmente para a acumulação de bens materiais.
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Seu dinamismo serve, na realidade, para legitimar a posse do poder em mãos daqueles que dominam o aparato produtivo, quer seja a tecnocracia, nos países ocidentais, ou a burocracia planificadora, nos países socialistas.
GUILLAUME. MARC & ATTALI, JACQUES, cits. GOYTISOLO: 94
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Notas
*Viver trabalhando ou morrer combatendo”, cit. Rude, George, A Multidão na História, Estudo dos Movimentos Populares na França e na Inglaterra - 1730 a 1848, p. 180.
** Rodriguez (p. 64) salienta que Tocqueville (!) propugnava por uma espécie de “Banco dos pobres” uma entidade paraestatal com cerca de 27 mil beneficiados com empréstimos de capital sem juros, algo para ser mais estudado

sexta-feira, 29 de maio de 2009

O Carma Ocidental - 42. Pastor do pasto-verde


.O reino da França foi um dos raros Estados europeus que se recusaram, de modo obstinado, a reformar-se segundo as exigências do novo espírito iluminista. Houve soberanos esclarecidos nas Alemanhas, Áustria, Rússia, Itália, na própria Espanha e em Portugal, mas não em Versalhes. GUSDORF, GEORGES, As Revoluções da França e da América: 38
.
O chefe deve mostrar constantemente o caminho ao povo, que não conhece sua verdadeira vontade; deve fazê-lo ver as coisas como elas são – ou como devem lhe parecer. ROUSSEAU, J. J., Contrato Social, cit. KOSELLECK, R: 142

Como pilotos cujos instrumentos de navegação às vezes falham, os líderes fazem vôos cegos com alarmante freqüência. CLEMENS, JOHN K.: 106
EUGEN WEBER, da UCLA para a nossa TV Senado (17/4/2001),  liquida com a tartufice:
Talvez soe bem, mas na verdade o homem não nasceu livre. Nasceu como uma frágil criança de peito. Sem a proteção dos pais, sem a proteção proporcionada a esses pais pela sociedade, não teria podido sobreviver. Liberdade na sociedade significa que um homem depende tanto dos demais como estes dependem dele.
"Como um meio adequado para a consecução de determinados fins, ensina Platão, é permitido ao governo do Estado ideal servir-se de ‘certas mentiras sadias’.” (KELSEN, 1998: 168)

Rousseau não receia reconhecer que lhe aconteceu mentir e mentir muito, quando estava na sociedade dos seres vivos, mas uma coisa é mentir, negando a verdade e ofendendo a justiça - e a recordação da pobre Marion persegue Rousseau durante cinquenta anos - outra, o prazer da imaginação, que não prejudica ninguém.
CHATÊLET, vol. II: 274
"Rousseau, o primeiro homem moderno, idealista e canalha numa só pessoa; que necessitou de ‘dignidade’ moral para aguentar seu próprio aspecto; doente de vaidade desenfreada e de desmedido autodesprezo." (NIETZSCHE, 2002: 108)
“Mas a admiração pelo legislador - por aquele que, ‘assumindo a iniciativa de fundar uma nação, deve sentir-se capaz de mudar a natureza humana’ chega até Rousseau.” (BOBBIO, N. 1992:56)
Para Rousseau, como para outros edificadores da Cidade Ideal do Racionalismo desarvorado, o legislador é responsável por tudo. É um deus ex-machina. Algo que será como Napoleão, que pretendeu representar o novo César e o novo Augusto do cesarismo imperial francês.
PENNA, O.M. 1997: 366
Evidente per se, são esses maviosos ditames platônicos, erigidos sobre a plataforma do patrício DESCARTES, e elevados desse modo à máxima potência que consagram os descalabros do mundo ocidental:

A filosofia política moderna acha sua primeira forma sistemática em Hobbes; mas seu germe vital está em Maquiavel, de quem Hegel foi - não preciso lembrar - um grande admirador. E uma história que tem no Príncipe sua revelação, no Leviathan seu símbolo e - podemos também acrescentar, na vontade geral de Rousseau sua solução ideal, não podia deixar de ter como conclusão o deus-terreno de Hegel.
Segundo SCHWARTZENBERG (1978: 13) ROUSSEAU acompanha de perto a MAQUIAVEL ao “tolerar” o indivíduo quando extraordinário, mitológico, restrito às duas funções: “legislador”, para fundar o Estado e lhe fornecer suas leis e “ditador” para garantir sua sobrevivência. “Puro Platão, estendido à Maquiavel!"
O homem "capaz de mudar a natureza humana" via no Secretário um “grande republicano obrigado pelos tempos a desdenhar seu amor pela liberdade. Fingia dar lições aos reis, mas educava des grandes aux peuples.”
Para FELLIPO BURZIO (cit. GRAMSCI, A.: 133), a interpretação de ROUSSEAU em vez de justificar moralmente o maquiavelismo, na realidade projeta um “maquiavelismo ao quadrado: o autor do Príncipe não só daria conselhos sobre fraudes mas também com fraudes” à desgraça daqueles que o seguiram!
No “Plano Para a Constituição da Córsega” o genebrino reivindica para o Estado o patrimônio da Nação, tributando à propriedade privada todo infortúnio, motivo pelo qual dever-se-ia extingui-la.
A falsidade do argumento se espatifa no insólito: os ingleses haviam tomado e abandonado a Córsega por duas vezes: dava mais trabalho conservá-la do que dela obter valia. (JOHNSON, 2002: 14)
Nela não havia propriedade, nem privada, nem pública; só impropriedades, mas Rousseau apostava que a ilhota “assombraria a Europa.” De fato, ela assombrou, não por sua constituição, nem pelo diminuto povo, mas por um filho dali fugitivo.
"
A Revolução Francesa produzira um impacto galvanizado sobre os vizinhos europeu, desencadeando as idéias utópicas que reinaram soberanas nos séculos XIX e XX." (ZBIGNIEW BRZENSK, A desordem, in Veja 25 anos - Reflexões para o futuro: 67)
A estupidez ainda vara o EspaçoTempo como se fosse luminar. Republicanos tupiniquins adoram os adereços:
Quatorze de Julho - A data de hoje, que a República Brasileira comemora solenemente incluindo-a no seu calendário de festa nacionais, tem alta significação para o espírito de liberdade que domina a civilização contemporânea. Quaisquer que fossem os erros e os excessos que se seguiram a grande conquista de 1789, a histórica já consagra o estupendo legado que a humanidade recebeu dessa grande revolução, - o início da transformação política de todas as nacionalidades modernas, o berço fecundo de onde frutificou a semente generosa de todas as liberdades.
O Estado de São Paulo, ed. de 14/julho/ 1895; republicado em 14/julho/ 1995
Ainda bem que não comemoramos o 17 de outubro, da Bolchevique, descendente direta.
Pois enquanto a Inglaterra partira, há séculos, (desde 1215) às soluções verdadeiramente democráticas; e quando os EUA proporcionavam ao mundo verdadeiras lições de cidadania e civilidade, os franceses e vizinhos, incluindo-se a Rússia e a África, Cuba, China, Alemanha, Itália, Brasil, Espanha, etc., etc, mergulharam no desespero e no desalento, prelúdio dos perversos domínios:
Examinarei, pois, o sistema do mais ilustre desses filósofos, J.J. Rousseau e mostrarei que, transportando para os tempos mais modernos um volume de poder social, de soberania coletiva que pertencia a outros séculos, este gênio sublime, que era animado pelo amor mais puro a liberdade, forneceu, todavia, desastrosos pretextos a mais de um tipo de tirania.
CONSTANT
, BENJAMIN, Da Liberdade dos Antigos Comparada a dos Modernos, tradução de textos escolhidos de Benjamin Constant, por GAUCHET, MARCEL Org., paper Assembléia Legislativa do RS, 1996.
“Embora Rousseau nunca tenha previsto algo como revolução, muito do terrorismo jacobino revolucionário de 1793-1794 foi executado em seu nome.” (MERQUIOR: 28)
A rica França, a tonta Alemanha, a hibernada Rússia, a folclórica Itália, e los valientes espanholes e TODOS os latinos foram aquinhoados, desde então, com inúmeras perturbações, guerras civis e internacionais, ditaduras e constituições de toda índole, justamente na esteira do carma:

Embora as leis e as condições de produção da riqueza possuam mesmo caráter das verdades físicas, a distribuição é apenas uma questão de instituições humanas. As coisas estando disponíveis, a humanidade, individual ou coletivamente, pode fazer com elas o que quiser. A sociedade pode sujeitar esta distribuição de riqueza a quaisquer normas que ela invente.
MILL, J. S., cit. HAYEK, F.A., p. 127; tb. cit. HUGON, P.: 160.

Era uma questão tanto de sobrevivência quanto de política: uma panacéia que, pelo voto do trabalhador e pela transformação radical do Parlamento, proporcionaria ao trabalhador muitos assados, muito pudim de ameixas e cerveja forte, com três horas de trabalho diário.
RUDE, GERGE: 196.

Faça a conta dos regimes que nos levam a codificar com um gesto nossas paixões do momento. Compensamos nossa inconstância através de visões eternas logo gravadas no mármore. Nossas revoluções passam primeiro pelo tabelião. Conseqüência: quinze Constituições em cento e oitenta se sucederam na França depois da Convenção: Diretório, Consulado, Primeiro Império, Restauração, Cem Dias, Restauração, Monarquia de Julho, II República, Segundo Império, III República, Vichy, de Gaulle, IV República, V República, ufa!
MITTERRAND, FRANÇOIS,
Aqui e Agora: 90


O Folclore


quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Carma Ocidental - 41. Consequências do 14 de Julho


O impacto da Revolução Francesa, no campo das ideias, trouxe um novo conceito de História na filosofia de Hegel. Este conceito, por sua vez, exerceu uma influência direta sobre os revolucionários dos séculos 19 e 20, que absorveram o conceito nas lições de Marx e que passaram a enxergar a Revolução com base nas categorias hegelianas, como um libertário desenlace histórico da convergência entre necessidade e violência. .Hannah Arendt, Senhora Liberdade
Nem sequer um doutrinário da democracia como Rousseau, com a concepção organicista da volonté générale, princípio tão aplaudido por Hegel, pode forrar-se a essa increpação uma vez que o poder popular assim concebido acabou gerando o despotismo de multidões, o autoritarismo do poder, a ditadura dos ordenamentos políticos. BONAVIDES, P.: 56
O fio-de-ariadne nos conduz ao prólogo das tragédias: "É necessário que tal cidade não seja una, mas dupla, a dos pobres e a dos ricos, habitando no mesmo solo e conspirando incessantemente uns contra os outros". (PLATÃO, A República, livro VIII., cit. SAUTET, M.: 252 )

Na França, desde 1789, ou se era vermelho ou branco, padre ou leigo, burguês ou socialista, reacionário ou progressista. E entre os dois grupos inimigos, as pessoas se estripavam, cortavam-se em pedacinhos, insultavam-se, desprezavam-se.
Os descalabros foram todos conduzidos mercê de exclusivo e inconfessável interesse. Muito antes de  legitimada pela unção popular, de ser uma vontade geral, a Revolução foi concebida, encaminhada e gerida por artífices que miravam unicamente morar no palácio, e com isso abiscoitar a produção nacional, e até internacional, à suas gargantas profundas:
A Constituição Francesa de 1791 proclamou uma série de direitos, ao passo ‘que nunca houve um período registrado nos anais da humanidade em que cada um desses direitos tivesse sido tão pouco assegurado - pode-se quase dizer completamente inexistente - como no ápice da Revolução Francesa.’
LEONI: 85
Desde então, a Vaca Leiteira, como o nazista lhe chamava, vem batendo a cabeça no brete, ora à esquerda, ora à direita:
Faça a conta dos regimes que nos levam a codificar com um gesto nossas paixões do momento. Compensamos nossa inconstância através de visões eternas logo gravadas no mármore. Nossas revoluções passam primeiro pelo tabelião. Conseqüência: quinze Constituições em cento e oitenta se sucederam na França depois da Convenção: Diretório, Consulado, Primeiro Império, Restauração, Cem Dias, Restauração, Monarquia de Julho, II República, Segundo Império, III República, Vichy, de Gaulle, IV República, V República, ufa!
MITTERRAND, FRANÇOIS, Aqui e Agora: 90
Naquele belo horizonte do 14 de Julho espreitava o 'Golpe 18 de Brumário':
O consulado possuía características republicanas, além de ser centralizado e dominado por militares. No poder Executivo, três pessoas eram responsáveis: os cônsules Roger Ducos, Emmanuel Sieyès e o próprio Napoleão. Criavam-se instituições novas, com cunho democrático, para disfarçar o seu centralismo no poder.
Quem seria o mais notável mentor das chacinas? Quem deu respaldo ao funesto coro dos sans cullotes e tricoteuses na Place de La Concorde?
Para Rousseau, como para outros edificadores da Cidade Ideal do Racionalismo desarvorado, o legislador é responsável por tudo. É um deus ex-machina. Algo que será como Napoleão, que pretendeu representar o novo César e o novo Augusto do cesarismo imperial francês.
PENNA, 1997: 366
Quando James Boswell visitou Rousseau que mais do que qualquer outro francês do seu tempo influenciou a opinião pública contra a propriedade, seu anfitrião lhe disse: ‘Senhor, eu não tenho a menor simpatia pelo mundo. Vivo aqui num mundo de fantasia, e não posso tolerar o mundo como ele é. A humanidade me repugna'. Boswell on the Grand Tour: Germany and Switzerland, 1764, cit. PIPES, R.: 62
A mais realista e significativa homenagem Jean-Jacques Rousseau a recebeu no cemitério, em Ermenonville. O próprio Bonaparte (cits. Jorge: 71) prestou o tributo às qualidades do defunto: “Era um mau homem, um homem perverso. Sem ele não haveria Revolução Francesa. É verdade que eu também não seria nada. Mas talvez a França fosse mais feliz com isto.”
O mundo também, com certeza:
A difusão da insanidade
.
O socialismo nasceu da dissolução do Ancien Régime, da mesma forma que o conservadorismo foi criado a partir da tentativa de protegê-lo. GIDDENS, A.: 64

O homem no estado natural de Rousseau se tornou, no século XIX, o ‘povo’ de Mazzini e o ‘proletariado’ de Marx.
ROSSELI: 118
O período da Revolução Russa que se inicia em 1924 foi definido como termidoriano, em referência à Revolução Francesa.
MAESTRI, Mário & CANDREVA, Luigi, Antônio Gramsci: vida e obra de um comunista revolucionário: 228
Republicanos tupiniquins adoravam os adereços. A iniciativa francesa justificou o golpe contra o Império:
Quatorze de Julho - A data de hoje, que a República Brasileira comemora solenemente incluindo-a no seu calendário de festa nacionais, tem alta significação para o espírito de liberdade que domina a civilização contemporânea. Quaisquer que fossem os erros e os excessos que se seguiram a grande conquista de 1789, a histórica já consagra o estupendo legado que a humanidade recebeu dessa grande revolução, - o início da transformação política de todas as nacionalidades modernas, o berço fecundo de onde frutificou a semente generosa de todas as liberdades.
O Estado de São Paulo, ed. de 14/julho/ 1895; republicado em 14/julho/ 1995
O primeiro ato de tão elevado ideal dizimou a pequenina Canudos.“A 'vontade geral' tem sempre razão e, enquanto tal, está sempre espreitando a vida privada do cidadão soberano, por sobre seus ombros.” (Koselleck, Reinhart: 144)
A semelhança dessa vontade com o gosto dos inúmeros chefes latinos já fora detectado por ninguém menos do que o próprio “libertador” Simon Bolívar:
“Não podemos governar a América. Este país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para passar em seguida às mãos de pequenos tiranos, quase imperceptíveis, de todas as cores e de todas as raças.” (cit. Minguet, Charles, Myrthes fondateurs chez Bolivar, 'Simon Bolivar', Cahiers de l'Herne, 1986, p. 117; cit. Gusdorf, G: 259)
Ainda bem que não comemoramos o 17 de outubro, da Bolchevique, descendente direta do desatino françês.
E como se formaram os Reich?
Quando a Prússia e os outros estados germânicos ingressaram no século XIX, encontraram a onda de nacionalismo e as demandas por participação popular estimuladas pela Revolução Francesa.
ALMOND, G. e POWELL JR., G.: 197
A convicção de que a Alemanha esteve até agora enferma de muitas moléstias graves, de que pode e deve melhorar, é universal. O precedente domínio francês muito contribuiu para isso. Ninguém que queira ser imparcial pode negar que as instituições francesas estão encerradas muitas coisas boas e que o Código e as discussões e os discursos a respeito dele, assim como o código prussiano e o austríaco, trouxeram para nossa filosofia mais vitalidade e arte civilista que as acaloradas discussões dos nossos tratados sobre direito natural. (3)
O ideólogo alemão
Poderíamos definir um mentor, o responsável pela fatídica reunião dos duces? Pois a história da Europa, que tinha no Príncipe italiano sua revelação, no inglês Leviathan seu mito, e na perversa vontade francesa de ROUSSEAU a solução ideal, requeria pujante organizador alemão. Mister, pois, este platão de olhos azuis, modernizado, o “patriota unificador”, de sobrenome HEGEL. Por completo, GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL (1770-1831).
Considerado isoladamente, o indivíduo era meramente nocivo, um animal governado por instintos bruscos, como dissera Rousseau, sem nenhuma norma de ação mais alta que impulsos, apetites e inclinções, e sem regra de pensamento mais importante que fantasias subajetivas. Os direitos e liberdades do indivíduo seriam aqueles que correspondessem aos deveres impostos pela situação que desfrutava na sociedade. Hegel fundiu a idéia da vontade geral incoerentemente formulada por Rousseau. Rohden, H., 1993, p. 160.
A substituição por Rousseau, Hegel e seus seguidores da palavra 'opinião' pelo termo 'vontade' foi provavelmente a inovação terminológica mais fatídica da história do pensamento político. Esta substituição teve fundamento no cartesianismo de Rousseau e foi produto de um racionalismo 'construtivista' que imaginou que todas as leis foram inventadas como expressões da vontade para um dado fim. Bobbio demonstra que Hegel conseguiu ser “mais roussoniano que Rousseau.” O francês montara um contrato parcialmente inadequado. Mister melhor expressá-lo:“Para que tal aconteça, explica Hegel, é necessário que haja, por parte do Estado, autoridade absoluta e, da parte do povo, obediência incondicional. Os cidadãos do Estado de Hegel são súditos, servos, submissos, no exato sentido da palavra”. (9) "Hegel influiu nos negócios na Alemanha ao fim das guerras Napoleônicas, diante a profunda humilhação nacional perante a França e as aspirações de unificação política e criação de um estado nacional que correspondesse a unidade e grandeza da cultura germânica." (BOBBIO, N., Estudos sobre Hegel : direito, sociedade civil e Estado: 119) "A filosofia do direito de Hegel foi capaz de funcionar como apologia do Estado prussiano. ‘Assim como não se passeia impunemente por entre palmeiras tampouco se vive impunemente em Berlim',diz Karl Rosenkranz.." (CICERO, A.: 134).
Ao correr do desenvolvimento de seu pensamento, iria Hegel colocar-se do lado da realidade da força, da violência, da prepotência; iria salientar o desabrochar das sociedades e do Estado como grupo hegemônico, em concorrência vital com outros Estados. PENNA, J. O. M.: 94
“O tema de guerra inspirou a Hegel algumas de suas páginas mais famosas: desde as primeiras obras tinha proclamado que a guerra é necessária e mantém a saúde dos povos: como o vento sobre o pântano, a guerra é o momento de igualdade absoluta.” (Bobbio, N., 1997, p. 24)
“A gangrena - dizia aquele filósofo amargamente [naqueles tempos realmente havia muita gangrena] - não é curada com água de lavanda. É na guerra e não na paz que o Estado mostrava seu ânimo e ascendia às alturas de sua potencialidades.”( Sabine, G.: 620)

O “Espírito” de cada nação a diferenciava das outras. Quem desejasse constar na geopolítica mundial deveria afirmar sua individualidade ou alma, penetrando una e forte no palco da História na qualidade de combatente. A isso se dava o nome de “progresso”: “Hegel, como Heráclito, acredita ser a guerra o pai e a mãe de todas as coisas.”( Popper, K.: 44
)

BISMARCK realizaria o sonho de lavar a afronta. O exército prussiano desfilava garboso, demonstran do o acerto da unificação aclamada por HEGEL
No final do século XIX, a principal influência sobre a teoria acadêmica social e econômica era das universidades. A idealização bismarckiana do Estado, com suas funções previdenciárias centralizadas foi devidamente reestudada pelos milhares de ocupantes de postos-chave do meio acadêmico que estudaram em universidades alemãs nas décadas de 1880 e 90. SCHESINGER, ARTHUR M., The Crisis of the Old Order 1919-1933, p. 20; cit. em JOHNSON, P.: 13
A força, a submissão à autoridade voltavam para reconstituir o Reich.


É representado pelas pressões exercidas pelo regime napoleônico sobre os estabelecimentos reorganizados de ensino superior do direito (as velhas Faculdades de Direito haviam sido substituídas pelas escolas centrais por obra da República, transformadas posteriormente sob o Império em Escolas de Direito e colocadas sob o contrôle direto das autoridades políticas) a fim de que fosse ensinado somente o direito positivo e se deixasse de lado as teorias gerais do direito o jusnaturalismo porque inútil e perigoso aos olhos do autoritário governo napoleônico.
.Bobbio, N., 1995, p. 81.
O ódio pela França se fez cultivado, tal qual trunfo. O Primeiro chanceler esmagava com as peculiaridades intestinas, regionais. O Império se estende dos confins da Polônia à Áustria, a primeira anexada.
Na I Guerra o II Reich se desmanchou; então HITLER impôs o III, no fito de vingar a Nação por completo.
“Hegel foi o filósofo clássico de todos os totalitarismos estatais e políticos, tanto os da direita (nazismo) como os da esquerda (comunismo).” ( Rohden, H. 1993 , p. 157)
Quase totalmente ignoradas eram as obras de Locke (a primeira tradução completa de Dois Tratados sobre o Governo somente aparecerá em 1948) Constant, Tocqueville, Benhtham e Mill. Haviam florescidos estudos sobre Maquiavel: basta recordar os nomes de Ercole, de Russo, de Chabod. Nas breves notas Para a história da filosofia política, escritas em 1924, os autores levados em consideração eram (pareceria incrível nos dias de hoje) Maquiavel, Vico, Rousseau (maltratado), Hegel, Haller e Treitschke. A grande tradição do pensamento liberal e democrático da qual nascera o Estado moderno (também o estado italiano) era completamente ignorada. (8)
Antes da II Grande Guerra, durante mais de vinte anos, Hegel ocupou na França um lugar central. Se a maioria dos pensamentos se afastam dele, também é por terem sofrido a influência determinante daquele que se quis o ‘último filósofo’ e que continua a colocar para todos a questão da mudança do mundo. Descamps, C.,: 132
O Arco do Triunfo consagrou tropas em passo-de-ganso.
Os fascismos, nazismos, socialismos, comunismos, o desvirtuamento da democracia, as duas grandes guerras mundiais, e inúmeras revoluções civis pelo mundo afora se devem quase que exclusivamente à fatídica data francesa, ironicamente comemorada com festa pelo mundo a fora. É pouco?

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O Carma Ocidental - 40. A coreana & a espanhola


A filosofia de Platão, que outrora reclamara ser senhora no Estado, torna-se com Hegel o seu mais servil lacaio.
POPPER, KARL, 1998, T. I: 269
A original Guerra da Coréia, travada de 1950 a 1953, tornou aqueles amarelos em bicolor. A medição de forças na banda oriental foi de exclusivo interesse ocidental, produto das elocubrações platônico-hegelianas, segundo as cândidas interpretações de MARX e SOREL.
Por sua doutrina da similaridade entre Esparta e o estado perfeito, tornou-se Platão um dos propagandistas de maior sucesso do que eu gostaria de chamar ‘o Grande Mito de Esparta’, o perene e influente mito da supremacia da constituição e do modo de vida espartanos.
Idem: 54

Ao reparar os inequívocos dados históricos, sobressaem-se essas duas grandes loco motivas do desatino, opostas frontalmente: uma à direita, com bandeira nacionalista; e outra à esquerda, decorada internacional.
Eis a grande arapuca. Seja pelo darkside, ou pelo moonshadow, os sujeitos são transformados em meros objetos, peões ao capricho do rei impostor.
As principais características do indivíduo no grupo são, portanto, o desaparecimento da personalidade consciente, o domínio da personalidade inconsciente, a orientação de pensamentos e sentimentos em uma só direção mediante a sugestão e contágio, a tendência à realização imediata de idéias sugeridas. O indivíduo não é mais ele mesmo, é um autômato destituído de vontade. Ademais, pela mera participação num grupo, o homem desce vários degraus na escada da civilização.
LE BON
cit. KELSEN, HANS, A Democracia: 315
No roncar dos canhões em ritmo das castanholas ecoou o contraste das forças comunistas de STÁLIN, contra as fascistas de FRANCO, MUSSOLINI & HITLER. “Ou a Accion Popular esmaga o marxismo, ou o marxismo destruirá a Espanha.” (JOHNSON, P.: 277)
Centenas de livros foram escritos a respeito. Por quem os sinos dobram, do expatriado ERNEST HEMINGWAY, A guerra acabou, de ALAIN RESNAIS, Terra e liberdade, de KEN LOACH, retratam com lirismo, mas também com realismo, o triste desenrolar das batalhas na Pátria do “papai” Generalíssimo FRANCO, e dos “padrinhos” italianos e alemães. ORTEGA y GASSET se notabilizou por demonstrar a vileza dos contendores.
O povo, prostrado, exaurido, ainda tinha que ouvir o esperto FRANCO a lamentar que o país fora usado só para treinamento das milícias e experiências de armas de HITLER, MUSSOLINI, e STÁLIN.
O flagrante demonstra que em ambas o que tivemos foram as duas loco motivas, da direita e da esquerda, feito búfalos ou carneiros, a baterem frontalmente as cabeças, vitimando milhares de passageiros, fato que se sucedeu, pelo mesmo gênero, número e grau, no malfadado Việt Nam.
A única diferença com as orientais, e decisiva, é que FRANCO aniquilou os opositores, mas os americanos, por certo temendo as atômicas soviéticas, se contentaram em livrar apenas os parques do sul, deixando intacto ao norte o bando comunista.
O embate do midi-século repetiu a  Espanhola - vermelhos de um lado, pretos de outro, e de novo em estádio neutro, onde não perigavam os lares dos litigantes. Para melhor definição, desta feita os velhos adversários estavam postados em campos distintos. Com o desaparecimento dos debilóides nazistas tomaram lugar os herdeiros americanos. Em 1945, com o fim da ocupação japonesa, após a derrota do Japão na II Guerra Mundial (1939-1945), a Coreia foi dividida em duas partes, uma sob controle provisório dos EUA, outra leal a URSS. Embora aprovassem o fim do império japonês, os coreanos se opunham à presença estrangeira na península. Em 1948, dois governos distintos foram instituídos no norte e no sul, ambos reivindicando o controle central da península. Em par de ano o bando nortista atacou Seul. As Nações Unidas condenaram a tomada, e enviaram suas forças, comandadas pelo ultrafascista general Douglas MacArthur.
.
Os meliantes foram repelidos, o sul restaurado, permanecendo incólume até o presente, mas a Coréia restou dividida. Desse modo, o conflito permaneceu latente. O detalhe pelo qual os nortistas ressussitam o episódio é motivado justamente pela carência do Tratado de Paz. Os criminosos alegam que houve apenas um cessar-fogo, e agora é hora de retomá-lo!
Vê-se o insólito: a União Soviética, que pariu o FRANKENSTEIN, agora se borra de medo:
A Rússia está tomando medidas preventivas de segurança devido à preocupação com uma guerra nuclear entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, em sua fronteira oriental, disse uma fonte oficial a agências de notícias Interfax, nesta quarta-feira.
O conflito original vitimou perto de quatro milhões de peões do cruel jogo de xadrez.
Pensava-se que a Guerra nas Estrelas fosse eficaz para extinguir definitivamente o vírus platônico, desdobrado na dialética entre a destra e a sinistra, e a queda do Muro de Berlim ensejou a certeza. Supunha-se que tal êxito se espraiasse por todos os rincões do planeta, e de fato o efeito foi eficiente, a ponto de refrear a própria China, mas a compreensão não é total. Macacos continuam se coçando. As administrações semifascistas dos Bush, consubstanciadas por inúmeros amestrados, de CHIRAC a PUTIN, de FIDEL às questiúnculas por petróleo do Oriente Médio, a ascendência do gorila CHÁVEZ, bem secundado por nosotros, dos KIRCHNER aos bolivianos, equatorianos e paraguaios, e do pessoal do chão-de-fábrica do ABC, ora instalados no Plano Piloto, e de posse das bases militares, todos permanecemos dando suporte à insensatez greco-romana:
Enquanto nossos compatriotas não possuírem os talentos e as virtudes políticas que distinguem nossos irmãos do Norte, os sistemas inteiramente populares, longe de nos serem favoráveis, receio que virão a ser nossa ruína. Infelizmente essas qualidades parecem estar muito distantes de nós, na intensidade que se deseja; e, pelo contrário, estamos dominados pelos vícios que foram contraídos sob a direção de uma nação como a espanhola, que só sobreviveu em atrocidade, ambição, vingança e avidez.
SIMON BOLIVAR, Carta a um cavalheiro que tinha grande interesse na causa repúblicana na América do Sul (1815), cit. MENDOZA, MONTANER, & LLOSA: 36
Se examinarmosos os destinos dos arautos de esquerda & direita, podemos esperar, com segurança, que o ensaio coreano terá um rápido desfecho, malgrado acenarem com as atômicas. O ditadoreco ocidentalizado lavra o mesmo caminho de seus ídolos. O resto desabará pelo buraco-negro.