sábado, 30 de julho de 2011

Escola Austríaca de Economia X Cientificismo

A ciência é o que há de mais sublime no mundo. Ela é a nossa última instância. Nada há acima da ciência. Para os espíritos populares, ela é a mais elevada das deusas. Felizmente, para o gênero humano, o prestígio da ciência aumenta todos os dias. E, certamente, quanto mais avançar a civilização, mais ela avançará. Em primeiro lugar, porque a ciência fará descobertas sempre mais numerosas, mais profundas e mais surpreendentes; em seguida, porque os homens, libertados das concepções mitológicas e infantis, terão os espíritos melhor preparados para receber os ensinamentos provenientes de pesquisas positivas, precisas, exatas. Em breve, certamente, daremos o último passo, e a autoridade da ciência se imporá de modo completo no domínio dos conhecimentos sociais. Então, chegaremos a fazer uma política racional, como já fazemos máquinas elétricas racionais, porque construídas unicamente sobre dados positivos, e não sobre tendências subjetivas. A autoridade sem apelo da ciência já não é mais contestada pelo grande público em tudo o que diz respeito aos fatos físicos e biológicos. Novicow, 1910.
 A postulação praxeológica
Sob influência dos filósofos absolutistas e autoritários, Hegel, Marx, Comte e uma pletora de epígonos contaminados por esta magia negra da política que é Ideologia - o Liberalismo recuou a partir da segunda metade do século XIX. PENNA, J. O. M: 179 
Neste ambiente adverso nasceu a Escola Austríaca de Economia.  O  propósito vinha na contramão da ciência e da filosofia em voga, também paradoxal às politicas nacionais, quase todas de ambas derivadas. Mises foi  influenciado pela sociologia de seu amigo Max Weber, mas uma parte significativa de seu pensamento consiste em modificações e críticas de pontos de vista de Weber.  Epistemologia Mises  O reduto poderia até ser contestado, ou tomado subversivo, não fosse a sua insignificância nos campos econômico, político, social e legal, mercê da quase unanimidade reinante, O único liame que lhe ensejava  respirar era ironicamente proporcionado por seu caráter platônico, ao aceitar e desposar a presunção cristã, numa comunidade de esmagadora maioria católica. O próprio Vaticano, todavia, negava estribo, porquanto sempre interessado em manter o status junto aos governos nacionais. Leão XIII logo promulgaria a Rerum Novarum, nada mais nada menos do que uma ponte fascista. Gaetan Pirou (cit. HUGON,  P., História das Idéias Econômicas: 352) .observou a candente razão: “O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”. 
No decorrer do século XIX, a orientação mecanicista tomou raízes mais profundas - na física, química, biologia, psicologia e nas ciências sociais. LEMKOW, ANNA: 86
A escola também não lograva maior consideração justamente  por desdenhar planos macroeconômicos. Eis por que, como fundamento basilar, Mises trouxe à baila a motivação praxeológica, e não epistemológica de suas assertivas.  Categoricamente o austríaco afirmava que os parâmetros da Física não poderiam ser aplicados nas relações econômicas. Considerando o dantesco quadro que se desenhava com as dialéticas e positivismos, cujo catecismo mecanicista, determinista, assegurava a certeza das ambições e a necessidade das precauções sociais, a Escola resolveu eleger a Economia como "ciência a priori", apartada porque razão de todas as demais, produto do desejo humano, e não da frieza da máquina. Seu pressuposto era de que o ser humano age simplesmente em função de seus interesses, e não rigorosamente de acordo com algum método científico. Mises tinha razão em preferir apartar sua disciplina das demais regentes, sem dúvidas - as correlatas corriam latas..
Quando Hegel estudava o destino do sujeito racional sobre a linha do saber, ele não dispunha mais do que de um racionalismo linear, de um racionalismo que se temporalizava sobre a linha histórica de sua cultura, realizando movimentos sucessivos de diversas dialéticas e sínteses. BACHELARD, G.: 57
Agora, todavia, não.
Relações humanas. Troca de bens, troca de interesses e troca de influências. As relações são, em essência, uma coleção de trocas. Até mesmo a base da vida, as relações químicas atômicas e moleculares, são, apenas, trocas. Trocas que criaram todo o universo e ainda o regulam. Na ciência denominada Química, os diversos elementos da tabela periódica possuem características únicas. Porem, toda essa individualidade só faz sentido na interação entre os elementos. Trocam elétrons, alteram o núcleo, mudam a carga energética. Combinam e colaboram em nome da vida, do existir. A diferença entre as relações humanas e as equações químicas é que os átomos não são egoístas. Mesmo quando mais densos ou complexos, combinam-se para que o objetivo seja melhor conjuntamente. No mundo elementar as diferenças são os tijolos da diversidade e a beleza do universo. Se a raça humana existe hoje, deve tal fato à diversidade, à interação e à combinação de todos os elementos. O bem o mal
E por isso, por este lapso perfeitamente compreensível, pelo desdém epistemológico em troca do desempenho tecnológico, por esta falta de embasamento científico que outrora tão bem suportou as teorias marxistas e keynesianas, apesar de todos os percalços que buscou evitar, mas infrutíferamente, tendo a humanidade enfrentada o descalabro por quase um século inteiro, somente ao cabo vitoriosa, ainda assim a Escola não logra despertar a popularidade concedida aos arautos da insanidade.
Como estuda apenas um aspecto da vida humana - o aspecto econômico da vida - a Economia é uma ciência parcial. Não pode, por isso, pretender explicar toda a vida humana, ou a vida humana em todos seus aspectos. Pelo contrário, exige o auxílio das outras ciências do homem, para poder ser bem entendida e aplicada. E, por sua vez, auxilia essas outras ciências. A doutrina marxista ou socialista é que pretende, erroneamente, que a Economia explique toda a vida individual e social do homem, ou a vida em todos os seus aspectos. (GALVES,  Carlos, Elementos de Economia Política:  25.)
Apreciarei esse gap no próximo cruzeiro. Neste fim-de-semana esboço a confluência que tornou a potencialidade esquizofrênica da ciência, da filosofia, da economioa e da política, elevada. à potência máxima, somente arrefecendo na queda do Muro de Berlim. O imenso entulho, todavia, o aparato às funções sociais ainda vigora nos quatro cantos do mundo, certamente mais por falta desse discernimento, do que pelas veladas intenções dos líderes eleitos. "Todos sabem que a física newtoniana foi destronada no século XX pela mecânica quântica e pela relatividade. Mas os traços fundamentais da lei de Newton sobrevivem, seu determinismo e sua simetria temporal sobreviveram." (PRIGOGINE, I.,: 19)
O cientificismo
As teorias de Newton lançaram-nos em um curso que desembocou no materialismo que ora domina a cultura ocidental. Esta visão realista materialista do mundo exilou-nos do mundo encantado em que vivíamos no passado e condenou-nos a um mundo alienígena. BERMAN, MORRIS, cit. GOSWAMI: 31
A Escola Austríaca de Economia  nasceu e tomou corpo neste período de maior confusão política, social e principalmente científica. Movida pela ambição recrudescida nas disposições cartesianas e newtonianas, a Revolução Industrial alcançava o apogeu. A ciência mecanicista provava sua eficácia, pautando as ações humanas, As demais disciplinas, mirando o reconhecimento científico, também vinham orientadas pelos mesmos critérios, mas as condições humanas submergiam a deplorável patamar. Julgava-se que o causador do infortúnio pudesse oferecer a panacéia para elidir a miséria. "A mecânica de Newton promete um poder de previsão vastíssimo que faz com que um instante forneça todas as informações possíveis sobre o passado e o futuro do Universo." (COVENEY, PETER e HIGHFIELD, ROGER: 24) "O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política, histórica, social e até moral.* (GLEISER, M.: 164.)
Em seu conhecidíssimo Ensaio sobre a população, publicado em 1798, Malthus afirmava que a natureza prescreveu limites inflexíveis ao progresso humano no que toca à felicidade e à riqueza. BURNS: 542
As ciências humanas se precipitavam assim de modo acelerado, edificadas sobre as teorias de Malthus, Darwin, Marx e Comte, entre variações  A Medicina, considerava o corpo humano tal qual máquina perfeita, porquanto feita pelo Grande Arquiteto, "à sua imagem e semelhança", MICHEL POLANYI (Personal Knowledge: 262; cit. ROSZAK, T. A Contracultura: 232) encontra o viés:
A neurologia baseia-se na premissa de que o sistema nervoso - funcionando automaticamente segundo as leis conhecidas da física e da química - determina todas as operações que normalmente atribuímos à mente do indivíduo. O estudo da psicologia revela uma tendência paralela no sentido de se reduzir o objeto a relações explícitas entre variáveis mensuráveis; relações que sempre poderiam ser representadas pelos desempenhos de um artefato mecânico.
A Economia enveredou para equalizar a escassez.
A existência na humanidade de uma tendência a crescer, na ausência de controle, além da possibilidade de um suprimento adequado de alimentos num território limitado deve conduzir, de imediato, a questão do direito natural dos pobres em pleno sustento numa situação social em que o direito de propriedade é reconhecido. A questão reduz-se, basicamente, portanto, a uma dúvida quanto à necessidade daquelas leis que estabelecem e protegem a propriedade privada
Mill acreditava que a natureza era uniforme e previsível, de modo que um incidente isolado podia se repetir em circunstâncias similares. Nas discussões com os amigos, Einstein discordava enfaticamente: ‘Não existe nenhum método indutivo que nos leve aos conceitos fundamentais da física. A incompreensão desse fato constitui o erro filosófico básico de muitos investigadores do século XIX.  BRIAN,  D., Einstein: a ciência da vida: 51
Na cobertura dos blocos da Psicologia, e da Psiquiatria, enfim,  elevou-se  a babel da Sociologia.
O sociólogo francês Durkheim proporciona um exemplo típico deste método que abandona gradualmente a esfera do conhecimento psicológico causal e penetra a das considerações ético-políticas ou jurídicas. Também ele insiste em estabelecer a sociologia como uma ciência natural, orientada segundo as leis da casualidade. Aceita o princípio de Comte de que 'as manifestações sociais são fenômenos naturais e, como tais, estão sujeitas às leis da natureza'. .KELSEN, Hans, (1881-1973) A Democracia> 331.
A passagem do reino da opinião (doxa) ao domínio do conhecimento científico (episteme) exigia a adoção de uma inteligibilidade racional. E a formulalização matemática estabelecia o limite desta ambição. As ciências humanas nascentes passaram a adotar uma exigência de rigor e de precisão, de busca das estruturas e das normas. Para tanto, adotaram em suas investigações os métodos quantitativos e a linguagem cifrada. A análise estatística passa a ser um dos meios fundamentais de ação dos cientistas humanos. As ciência se converte em uma língua bem feita. Por isso, submete todo o seu domínio à ordem matemática, a língua mais bem feita existente. A perfeição do saber parece ser atingida desde que se reduza os fenômenos a um esquema tipo algébrico. Pouco a pouco, a ordem dos comportamentos e das idéias humanas fica submetida à inteligência matemática. JAPIASSÚ, Hilton, Nascimento e Morte das Ciências Humanas:  97
A leitura de Durkheim, tido por fundador da sociologia, servia como advertência de que a ciência social sempre aspirou submeter-se aos controles matemáticos da ciência física e que toda generalização deve estar apoiada numa série de repetições documentadas. FRIAS FILHO, Otávio, Revista Piauí, 23/11/2010
Pelo lado jurídico Hegel, Bentham, Comte e Austin já haviam bem demonstrado: o Estado poderia e deveria tudo prever. Roszac bem percebeu os liames e as semelhanças: “Marx é veiculo da inflexibilidade da realpolitik do século XIX, misturada com a sinistra insensibilidade do darwinismo social e com um insolente ateísmo positivista.”  Hayek  enfrentou  diretamente a perfídia:
A evolução cultural não é determinada nem geneticamente, nem de qualquer outra forma e sua conseqüência é a diversidade e não a uniformidade. Filósofos como Marx e Augusto Comte que afirmaram que nossos estudos podem levar a leis de evolução que permitem prever desdobramentos futuros inevitáveis estão errados. 
Bentham, todavia, já havia logrado sucesso com o slogan apropriado ao convencimengto geral::  
A maior felicidade do maior número constitui medida do certo e do errado.
BENTHAM, Jeremy, cit. SABINE,  G.,: 595.
Lacan (cit. JAPIASSÚ,  Hilton, Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje: 37). bem observou esta razão, aparente racionalidade: “Os programas que se esboçam como devendo ser das ciências humanas não têm outra função senão a de ser um ramo acessório a serviço dos poderes.” Assim precavido, Leviathan passou a determinar a Nação através de crescente lista de normas de conduta
A lei era vista como imutável porque era ancorada na natureza, assim como a vontade da comunidade: os legisladores e juristas tinham meramente que averiguar o que ela era e como aplicá-la a situações concretas. O surgimento, no final do século XVIII, do 'historicismo', que dizia que as instituições humanas estavam sempre evoluindo, mudou essa visão tradicional da lei. Passou a se reconhecer que, como tudo o que se relacionava com o ser humano era resultado da vontade, tudo o que se relacionava com o ser humano era capaz de ser alterado - e aperfeiçoado - por meio da educação e da legislação. Na Inglaterra, que liderava o mundo nesses assuntos, foi Jeremy Bentham quem encabeçou o ataque às formas tradicionais de pensamento. Foi Bentham, mais do que qualquer outro pensador, que popularizou a noção de que as leis podem solucionar qualquer mal social.  PIPES,  R.,: 269/70.
"Comte considerava a Matemática e a Sociologia as ciências mais importantes. A Matemática pelo caráter universal das leis geométricas e mecânicas e a Sociologia por tratar das indagações que conduzem a evolução histórica da humanidade." (SILVA, 1999:56)
Com a Escola Histórica, a ciência política tornara-se uma doutrina de arte para estadistas e políticos. Nas universidades e em anuais, reivindicações econômicas eram apresentadas e proclamadas como 'científicas'. A 'ciência' condenava o capitalismo, tachando-o de imoral e injusto. Rejeitava como 'radicais' as soluções oferecidas pelo socialismo marxista e recomendava o socialismo estatal, ou, às vezes, até o sistema de propriedade privada com intervenção do governo. Economia não era mais questão de conhecimento e capacidade, mas de boas intenções. MISES L., Uma crítica ao intervencionismo: 41
Depois das críticas conjuntas das correntes utilitaristas no Reino Unido, historicistas na Alemanha e positivistas na França, o jusnaturalismo perdeu seu prestígio como teoria da moral e foi quase completamente abandonado, salvo por algum reacionário retardatado. BOBBIO,  N.  Locke e o Direito Natural: 62 
"Foi portanto do utilitarismo do século XIX que nasceu a idéia de que se podia subordinar a atividade do legislador a uma teoria 'científica' da justiça, definida pela maximização do prazer, a um algorritmo que daria automaticamente a solução 'correta' e que permitiria fazer a economia do político. (RAWLS, John, Justiça e Democracia:  XXX.)
A pretensa lógica alcançou o apogeu acadêmico nujma noite da década de 1920,  nos salões de Viena, já descrito na postagem anterior. No raiar do dia ela se viu dissipada, porém tarde para brecar as loucuras fascistas, nazistas e marxistas. Consagrava-se vaticínio de Spengler ao Declínio do Ocidente, curva esta perfeitamente divisável somente agora,  em nosso tempo. “O desencanto do mundo e o progresso da ciência calculista, levando à perda total não somente do mistério, mas do desejo de revelar o mistério, provocaram o irracionalismo da dominação.” (HAGUETTE, T. M. F. org., HAGUETTE, A. , BRUHL, D., OLIVEIRA, M. A., DEMO, P., Dialética Hoje: 26)
Coube a Marx estabelecer a "conscientização", e daí os critérios a serem seguidos ou observados  por quase todos os governos da face da terra, sejam mais ou menos fascistas, comunistas ou democratas.
Marx, enquanto materialista, enquanto alguém que advoga que toda a realidade e matéria, porém não apenas isto, que toda a realidade e matéria obedece a leis que são absolutamente determinadas não apenas é materialista, como também determinista, isto é, crê ser possível compreender a realidade de tal forma que, uma vez descoberta suas leis, poderíamos antecipar seu futuro desenvolvimento e O Capital tem a pretensão de ser a obra que descreve o desenvolvimento das leis econômicas da sociedade moderna. PEREIRA, JULIO CESAR R., Epistemologia e Liberalismo - Uma Introdução a Filosofia de Karl R. Popper: 134
Marx demonstrava a certeza científica do materialismo proposto. "Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem a partir de elementos livremente escolhidos, em circunstâncias escolhidas por eles, mas em circunstâncias que eles encontram imediatamente diante de si dadas e herdadas do passado..”  Lênin (Materialisme et empiriocriticisme; cit. CHRÈTIEN: 131) simplesmente traduziu: “O universo é um movimento da matéria regido por leis, e nosso conhecimento, não sendo senão um produto superior ao da natureza, só pode refletir essas leis.”  Hayek partiu à crítica: :
Quando o próprio mundo físico ainda não foi completamente sistematizado, pressupor ou 'descobrir' um sistema na História, sem os meios e a liberdade que a vida toma e não pensar nem como cientista nem como historiador. É de fato uma tentativa de remover dificuldade da história ao preço da destruição do seu único mérito e interesse.
Foi o que aconteceu, e ainda acontece.. 

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